domingo, 13 de abril de 2003

Três visionários cósmicos

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Para uma pessoa vivendo no século 21, o fato de o Sol ser o centro do Sistema Solar e de a Terra e os outros planetas girarem à sua volta é tão conhecido que é considerado óbvio. Porém, se perguntarmos como é que sabemos disso, as coisas começam a ficar menos óbvias. Afinal, o que vemos da superfície da Terra é o céu girando à nossa volta e não vice-versa: é o Sol que nasce no leste e se põe no oeste todos os dias; são as estrelas que parecem girar nos céus com o passar da noite, o mesmo ocorrendo com os planetas.

Mais ainda, como podemos afirmar que a Terra gira em torno de seu eixo, se não sentimos essa rotação? Por que ninguém fica tonto com ela?

Tenho certeza de que a maioria dos leitores sabe responder a essas perguntas. Na Grécia Antiga, as coisas eram muito diferentes. Em torno de 600 a.C., quando os primeiros filósofos ocidentais começaram a explicar o funcionamento da natureza com argumentos racionais e não ações divinas, não havia razão para acreditar que a Terra estivesse em movimento. Aliás, esse é um excelente exemplo de como as aparências enganam.
Cerca de 150 anos se passaram até que alguém propusesse que a Terra não era imóvel, mas que girava em torno do centro do cosmo, juntamente com os demais planetas, a Lua e as estrelas. O interessante dessa idéia, proposta por Filolau de Crotona em torno de 450 a.C., é que o centro do cosmo não seria ocupado pelo Sol, mas pelo "fogo central", uma espécie de fornalha cósmica onde se originavam todo o calor e toda a luz.

O Sol, que também girava em torno desse centro, simplesmente redistribuía a energia do fogo central pelo resto do cosmo. Filolau era seguidor das idéias do legendário Pitágoras, que havia fundado uma tradição místico-racional baseada na adoração dos números e de sua capacidade de descrever a beleza e harmonia do mundo natural.

Algumas fontes atribuem a Pitágoras a suposição de que a forma da Terra era esférica. Suas idéias, combinando geometria e aritmética na descrição da natureza, influenciaram alguns dos maiores pensadores e cientistas da história, de Platão a Kepler e mesmo Einstein.

Aparentemente, Filolau propôs o movimento da Terra para explicar a rotação diurna dos céus: em vez de todos os planetas, o Sol e as estrelas girarem em torno da Terra, ele propôs que a Terra giraria em torno do fogo central. Essa rotação teria o mesmo efeito que percebemos ao girarmos em um carrossel: o mundo gira em sentido contrário.

Claro, teria sido mais fácil supor que a Terra gira em torno de si própria, mas isso não correspondia à inspiração mística de Filolau, segundo a qual o centro do cosmo era a morada de Zeus, a fonte de toda a luz.

Cerca de cem anos depois de Filolau, outro pensador grego, Heráclides do Ponto, deu o pulo-do-gato: ele propôs que a rotação diurna dos céus resultaria da rotação da Terra em torno de si mesma. Heráclides propôs ainda que os planetas Mercúrio e Vênus girariam em torno do Sol, e não da Terra. Ou seja, ele propôs um cosmo híbrido, com o Sol e os outros planetas (na época Marte, Júpiter e Saturno) girando em torno da Terra, mas não Mercúrio e Vênus.

Contemporâneo de Aristóteles, Heráclides não foi levado a sério. Segundo Aristóteles, a Terra deveria ser o centro imóvel do cosmo. Afinal, diria ele, como podemos provar que a Terra gira se, quando atiramos uma pedra para cima ela retorna às nossas mãos? Se a Terra girasse, seríamos carregados pela sua rotação, e a pedra cairia atrás de nós. Não se conhecia então o conceito de inércia, que diz que algo que está em movimento tende a permanecer em movimento. A pedra, quando atirada para cima, tem também um movimento horizontal causado pela rotação da Terra, tal como nós.

O último dos visionários que menciono hoje é Aristarco de Samos, o homem que, em torno de 300 a.C., pôs o Sol no centro do cosmo, com a Terra e os outros planetas girando à sua volta. Usando geometria, Aristarco provou que a Lua era bem menor do que a Terra, e a Terra bem menor do que o Sol. Portanto, concluiu, seria muito mais natural supor que o Sol estivesse no centro. Mais uma vez, predominaram as idéias aristotélicas e Aristarco foi esquecido. Pelo menos até o século 16, quando o polonês Nicolau Copérnico, ciente das idéias de Aristarco, pôs, de volta, o Sol no centro.


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