domingo, 20 de fevereiro de 2005

Protocolo de Kyoto entra em ação

MARCELO GLEISER
COLUNISTA DA FOLHA

Dia 16 de fevereiro entrou em ação o Protocolo de Kyoto, que visa à diminuição da emissão de gases poluentes por 35 países industrializados. Foram sete anos até que a condição básica para a ratificação do tratado -que países responsáveis por pelo menos 55% da emissão mundial de gases causadores do efeito estufa aceitassem as suas condições- fosse satisfeita.
A mudança veio em novembro, quando a Rússia reverteu sua posição. De fora ficaram os Estados Unidos e a Austrália, que produzem mais de 25% das emissões mundiais. (Os EUA dominando de longe essa porcentagem, claro.)

EUA e Austrália alegam que a ratificação do protocolo prejudicaria as suas economias e que países como a Índia e o Brasil foram privilegiados pelo tratado. Não vemos a Inglaterra, que deve cortar as suas emissões em 12,5% até 2012, o Japão, que deve cortar as suas em 6%, ou o resto da Europa recusarem seu compromisso global. Este é o ponto crucial, a distinção feita por diferentes países entre interesses nacionais e globais. Obviamente, o governo norte-americano vê tudo isso como uma grande inconveniência.

Nos últimos anos, em particular após o início do governo George W. Bush, temos visto vários debates promovidos pelo governo tentando enfraquecer os argumentos que proclamam que o aquecimento global não só é inevitável como está já ocorrendo. A maioria dos cientistas vê o efeito estufa como realidade. Até Hollywood caricaturou a posição do governo no filme "O Dia Depois de Amanhã", onde um vice-presidente muito parecido com Dick Cheney adota uma postura absolutamente contra medidas antipoluentes.

É o ponto crucial, a distinção feita por diferentes países entre interesses nacionais e globais

Quando se debate a questão climática, dois pontos devem ser considerados. O primeiro, mais óbvio, mas aparentemente esquecido, é que a Terra e sua atmosfera constituem um sistema finito, com capacidade limitada de reprocessamento de gases. Mesmo que a Terra pareça estar "aberta" para o espaço, muito pouco escapa de sua atração gravitacional, inclusive as moléculas dos gases atmosféricos. A maior parte do que é produzido na superfície acaba circulando pela atmosfera, interferindo com sua composição e opacidade. Afirmar que a deposição crescente de gases poluentes é inofensiva a longo prazo é uma posição irresponsável, demonstrando um imediatismo extremamente egoísta. O mundo inteiro e várias gerações futuras sofrerão as conseqüências das escolhas de hoje.

O segundo ponto, mais sutil, diz respeito à qualidade das previsões científicas dos efeitos da poluição atmosférica. Infelizmente, pela complexidade do problema, previsões baseadas em simulações de supercomputadores têm ainda validade limitada. É difícil incluir a interação dos oceanos com a atmosfera, as flutuações regionais de temperatura e ventos, e as emissões de gases em escala mundial de modo a obter números concretos. O que se obtêm são indicações do que poderá vir a ocorrer, com grandes incertezas.

Os governos que se recusam a ratificar o protocolo citam essas variações como prova da ineficácia dos modelos climáticos: "Não podemos assumir compromissos econômicos que afetam tanta gente antes de estarmos certos". Que o exemplo da Europa, da Rússia e do Japão sirva para abrir os olhos das populações que irão eleger os futuros governos desses países. A decisão de qual será o destino de nosso planeta está nas mãos da sociedade.

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