domingo, 13 de março de 2005

Galáxias-fantasmas

MARCELO GLEISER
COLUNISTA DA FOLHA

A composição do Universo é um caixa de surpresas. Durante os últimos dez anos ficou claro que a matéria da qual somos compostos, aquela formada por átomos, é minoria absoluta, compondo não mais do que 5% da matéria total que existe. É essa a matéria que vemos no céu noturno, as estrelas e nebulosas que povoam o cosmo.


Um grupo de astrônomos detectou uma nuvem de hidrogênio sem estrelas. A explicação mais plausível é que a nuvem exista em meio a um aglomerado de matéria escura


Mesmo no céu, nem tudo que é feito de átomos brilha. Por exemplo, planetas não geram luz, apenas refletem de estrelas vizinhas, no nosso caso o Sol. Pessoas também não geram luz visível, embora gerem outro tipo de radiação menos energética, a infravermelha. Fora planetas, nuvens de hidrogênio, se suficientemente frias, não são visíveis. Em geral, essas nuvens estão associadas a galáxias, como fumaça a cigarros: no escuro, vemos a ponta queimando (as estrelas) e a fumaça na vizinhança da brasa, mas sua maior parte permanece invisível. Galáxias, portanto, aparecem com suas estrelas e nuvens de hidrogênio. Mas essa é só parte da história.
Sabemos também que a maior parte da matéria em uma galáxia não produz luz própria e não é formada por matéria comum, ou seja, prótons e elétrons. Essa matéria estranha, de uma substância ainda não identificada, compõe mais de 90% da matéria total de uma galáxia. Como ela não brilha, foi batizada de matéria escura.

Sabemos que ela existe porque vemos seu efeito gravitacional sobre as estrelas e nuvens de hidrogênio. Para a gravidade agir, basta haver massa. Segundo o que se sabia até recentemente, as matérias luminosa e escura andam de mãos dadas -onde existe uma, existe também a outra. Claro, isso pode ser conseqüência do fato que, para detectarmos a matéria escura, precisamos ver seu efeito sobre a luminosa; é possível que existam galáxias escuras, desprovidas ou quase de matéria comum. Tais aglomerados de matéria escura são como galáxias-fantasmas, existindo sem serem vistas. Só seus efeitos gravitacionais são detectados.

Até recentemente, esses objetos eram especulação. Mas um grupo de astrônomos na Califórnia aparentemente detectou uma nuvem de hidrogênio com massa comparável à de uma galáxia (100 bilhões de sóis) e sem estrelas. "Como uma cidade sem pessoas", declarou um dos integrantes do time. A explicação mais plausível é que a nuvem exista em meio a um aglomerado de matéria escura, como creme em uma xícara de café. Mas como confirmar que a nuvem de hidrogênio está mesmo imersa em um oceano de matéria escura? Primeiro é bom confirmar que, de fato, não existem estrelas na nuvem. Para isso, o time usará o telescópio Hubble (antes que ele termine seus dias), que pode identificar estrelas individuais. Supondo que nenhuma seja encontrada, fica confirmado que a galáxia é mesmo formada de hidrogênio que não brilha. E a matéria escura? Como podemos detectá-la sem termos nada para ver?

Podemos usar o fato de que a gravidade pode encurvar a luz. Se um objeto passar por trás da nuvem invisível, sua imagem será distorcida, como uma lente distorce uma imagem visível. No caso, "lentes gravitacionais", efeito previsto por Einstein (amanhã é seu aniversário), podem detectar a existência de galáxias-fantasmas. Porque da gravidade nada escapa.

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