domingo, 3 de abril de 2005

O mistério da aceleração cósmica continua

MARCELO GLEISER
COLUNISTA DA FOLHA

Diferentes épocas proclamam diferentes "verdades", algumas científicas outras não. Na Europa do século 16, era perfeitamente razoável afirmar que a Terra era o centro do Universo e que bruxas deveriam ser queimadas em praça pública. As coisas melhoraram um pouco nos últimos 400 anos, ao menos na área científica: teorias são validadas empiricamente, isto é, as previsões de uma teoria são contrastadas com dados obtidos por meio de observações e de experiências de laboratório.


A aceleração cósmica continua aqui, firme e forte, confirmada e reconfirmada por grupos diferentes e tipos diferentes de observação


Um aspecto importante desse procedimento é que ele é repetitivo: se grupos diferentes realizarem os mesmos experimentos, respeitando as mesmas condições, os resultados têm de ser idênticos dentro da margem de erro de cada um. Por isso, quando em 1998 um grupo de astrônomos anunciou que o Universo está não só em expansão -algo que se sabia desde 1929-, mas em expansão acelerada, achei que a coisa não iria durar, que outros grupos iriam contradizer a afirmação. Não foi o que aconteceu.

A aceleração cósmica continua aqui, firme e forte, confirmada e reconfirmada por grupos diferentes e tipos diferentes de observação. Por aceleração quer-se dizer o seguinte: galáxias extremamente distantes estão se afastando a velocidades crescentes. O efeito não ocorre em pequenas distâncias, como no nosso sistema solar ou nossa galáxia; esses sistemas astronômicos são mantidos coesos pela sua atração gravitacional interna, que sobrepuja o efeito da expansão. Quando se fala em expansão do Universo, está se falando de objetos situados a distâncias de dezenas de milhões de anos-luz.

Como entender essa expansão? Esta é uma das perguntas mais importantes da cosmologia moderna. Sabemos que, qualquer que seja a resposta, ela trará uma nova "verdade". Como o leitor pode imaginar, centenas de físicos no mundo inteiro estão propondo explicações as mais diversas. Esse tipo de situação é sempre revelador: os dados estão aí, pedindo novas idéias, forçando os cientistas a serem criativos, a arriscar. E, de fato, tem chovido idéia nos periódicos especializados. As mais ousadas, chamadas de teorias das "branas" (de mem-"branas") atribuem a aceleração à existência de dimensões extra, além das três que conhecemos. Segundo tais teorias, vivemos em uma espécie de fatia cósmica, a "brana", que existe em um Universo com muitas dimensões. Essa seria a realidade de uma ameba condenada a existir em uma folha de papel (duas dimensões) flutuando no espaço tridimensional. Apenas a gravidade pode agir nas dimensões além da "brana". Essa teoria e suas variações pode prever cosmologias com expansão acelerada.

Outra sugestão é que a força da gravidade sofra variações a grandes distâncias, modificando a lei de Newton que diz que sua intensidade cai com o quadrado da distância. De fato, não temos testes diretos de como a força gravitacional se comporta a milhões de anos-luz, embora seja difícil justificar tais modificações sem uma motivação profunda. Mas como a natureza tende a nos surpreender, devemos manter a cabeça aberta. É possível que uma nova lei seja descoberta empiricamente antes de sua justificativa conceitual. Ou a explicação pode ser ainda totalmente diferente, mesmo que cause desconforto. O novo tende a ser assim, irreverente e revolucionário, se preocupando mais com o amanhã do que com o ontem.

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