domingo, 31 de julho de 2005

Quem desenhou o Designer?

MARCELO GLEISER
COLUNISTA DA FOLHA

A questão do Design Inteligente (DI) é o novo capítulo da infeliz guerra entre a ciência e a religião. Não que os proponentes do DI aceitem abertamente esse rótulo; para eles o DI é ciência e deve ser tratado como tal. Afinal, não dizem que o designer é Deus. Apenas que uma inteligência, qualquer que seja a sua natureza, é necessária para explicar a complexidade da vida. Talvez o designer seja um ET? A possibilidade, para os que defendem o DI, não deve ser descartada. Ou será que deve?


A hipótese do DI não é científica. Ela não é observável ou verificável em laboratórios


Para analisar o DI, deve-se explicar o significado de uma hipótese científica. Antes de fazer isso, justifico por que uso este espaço para discutir DI. Tenho certeza de que aqueles que o rejeitam acham que eu não deveria sequer discutir o assunto; que dar espaço ao tema é lhe dar mais credibilidade do que merece. Muitos cientistas se recusam a participar de mesas redondas com defensores do DI, alegando que fazê-lo é completamente inútil, que os que acreditam em DI o fazem por razões que não são científicas e que discussões públicas de 60 minutos não serão suficientes para convencê-los.

Eu discordo. Talvez seja mesmo impossível usar argumentos racionais para convencer aqueles que acreditam cegamente nas premissas do DI. Mas não são essas as pessoas que devem ser alvo das atenções dos cientistas. São milhões de outras, a maioria silenciosa, que está confusa, curiosa, tentando entender o que está acontecendo. Por que os cientistas, se estão tão seguros de suas teorias, não aparecem em público para derrubar de uma vez por todas o movimento do DI? Para elas, argumentos do tipo "para um cientista, é perda de tempo engajar-se nesse debate" soam como desculpa de alguém que já está derrotado ou que tem medo do confronto. Enquanto os cientistas continuam calados, os criacionistas e os defensores do DI proclamam suas "verdades" aos quatro ventos, o mais alto possível.

Dito isso, voltemos à questão da hipótese científica. Uma hipótese é considerada científica se for passível de validação empírica. Em bom português, é o "ver para crer", o oposto do "crer para ver", que é a premissa da religião. É muito mais fácil "ver" um milagre quando se acredita que milagres são possíveis. No ver para crer científico, uma hipótese deve ser acompanhada de testes que determinem se está certa ou errada. Se estiver certa, ela explica os fenômenos que se propõe a explicar. Um exemplo: átomos existem e são formados de prótons e nêutrons no núcleo e de elétrons à sua volta. Baseados nessa hipótese, cientistas constroem teorias que explicam milhares de fenômenos observados no laboratório, incluindo as propriedades das moléculas orgânicas responsáveis pela vida.

Segundo a discussão acima, a hipótese do DI (somos o produto de uma inteligência) não é científica. Ela não é observável ou verificável em laboratórios. A menos, claro, que o designer, aparentemente tímido já faz uns bons 3 bilhões de anos, resolva nos contatar, revelando o que aprendeu conosco ou os objetivos do experimento. Mesmo que nossa inteligência seja infinitamente inferior à dele, tenho certeza de que poderíamos entender ao menos parte da coisa. Talvez pudéssemos então perguntar o que, para mim, é a questão mais fundamental de todas: "Senhor designer, quem foi que o desenhou?". E se o designer disser que não sabe, que talvez também seja parte de um experimento, ficaremos então sabendo qual a identidade secreta do Designer. É bom usar letra maiúscula, pois é assim que devemos nos referir a Deus.

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