domingo, 30 de outubro de 2005

Saltos quânticos

MARCELO GLEISER
COLUNISTA DA FOLHA

No início do século 20, estava claro para a maioria dos físicos que o átomo não seria compreendido pelo modelo de minissistema solar, com o núcleo no centro, feito o Sol, e os elétrons girando à sua volta feito planetas. O inglês J. J. Thomson havia mostrado em 1897 que o elétron era muito mais leve que qualquer coisa que existisse no núcleo (ainda não se sabia que eram prótons e nêutrons). Para o átomo mais simples, o de hidrogênio, Thomson mostrou que o elétron era em torno de 2.000 vezes mais leve que o núcleo, e que sua carga elétrica era exatamente oposta, de modo que o átomo fosse neutro. Aliás, ainda não se falava em núcleo atômico. O próprio Thomson, bem britanicamente, sugeriu que o átomo fosse um pudim, com os elétrons espalhados como passas em meio à massa. Foi só em 1911 que Ernest Rutherford mostrou que o núcleo é muito pequeno, e que o elétron circula bem longe dele: se o núcleo tivesse o tamanho de uma cereja, o elétron estaria a um quilômetro de distância. O átomo é essencialmente vazio.


Os elétrons não podem ocupar qualquer lugar do espaço. Suas órbitas são discretas, separadas como os degraus de uma escada


O fato de o átomo ser feito de pequenas partículas eletricamente carregadas apresentava uma séria dificuldade: sabia-se que cargas elétricas aceleradas -e o movimento de um elétron em torno de um núcleo é acelerado, do mesmo modo que numa curva o movimento de um carro é acelerado- irradiam ondas eletromagnéticas, dissipando energia no processo. Sabia-se também que a luz (a onda eletromagnética que nos é visível) que surge de objetos quando aquecidos vem justamente dessas cargas elétricas aceleradas intensamente pelo calor. Vemos isso na cozinha, quando ligamos o fogão elétrico: quanto mais quente, mais intenso o brilho da espiral, que vai do infravermelho (invisível mas quente) ao alaranjado. Ao vermos um objeto aquecido emitir luz, feito uma lâmpada comum, estamos vendo a radiação emitida por cargas subatômicas em movimento. Portanto, desconfiava-se que a luz emitida por objetos aquecidos tinha a ver com as cargas elétricas que compunham seus átomos.

O problema era que, quando as leis do eletromagnetismo eram aplicadas ao átomo, os resultados eram absurdos. Um elétron, atraído pelo núcleo de carga positiva, iria espiralar em sua direção, irradiando ondas eletromagnéticas e perdendo energia até cair nele. Se isso fosse verdade, os átomos seriam instáveis e a matéria não poderia existir. Algo tinha de mudar.

É aí que entra Niels Bohr, um dos grandes físicos da história. Em 1913, Bohr propõe uma idéia revolucionária: elétrons não podem ocupar qualquer lugar do espaço. Suas órbitas são discretas, separadas como os degraus de uma escada. Eles não podem ocupar o espaço entre os degraus.
Com isso, Bohr introduz a idéia de órbitas discretas nos átomos. O mais importante era o chamado nível fundamental, o degrau mais baixo da escada: de lá, o elétron não podia descer mais. Ou seja, por algum motivo, e Bohr não tentou adivinhar que motivo era esse, o elétron estava proibido de cair no núcleo. Ele podia saltar de um nível, ou órbita, a outro, como nós saltamos os degraus de uma escada: para cima precisamos de energia, e o elétron também. Para baixo liberamos energia, e o elétron também. Admirável a coragem intelectual de Bohr.

Postulou um novo comportamento da matéria e, com isso, conseguiu explicar os resultados de uma série de experimentos que, até então, eram um mistério. Ficou claro que o mundo atômico tem suas próprias regras, sua própria física.

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