domingo, 11 de junho de 2006

Brinquedos perigosos

Se somos controlados pelas forças de mercado, quanto tempo demorará para que a comercialização da genética seja feita?

Quando perguntaram a John von Neumann, um dos primeiros a desenvolver programas para computadores ainda na década de 1950 e inventor da teoria dos jogos, quantos computadores achava que haveriam nos Estados Unidos no futuro, o brilhante matemático respondeu "dezoito".

Von Neumann acreditava que computadores custariam mais caro na medida em que ficassem mais poderosos. (Só para constar, seu gigantesco cérebro eletrônico ocupava um enorme salão em Princeton e tinha memória de 4 kilobytes.) Para ele, apenas algumas organizações governamentais e privadas teriam recursos e necessidade de ter essas máquinas, que seriam usadas para cálculos extremamente complexos, como táticas de defesa global e meteorologia. O que Von Neumann não previu foi o que o físico e escritor Freeman Dyson chama de "domesticação" do computador, o fato de que computadores não só cresceriam em potência mas diminuiriam de preço, a ponto de hoje fazerem parte da vida de centenas de milhões de pessoas, dos três aos 90 anos de idade.

A plasticidade dos computadores se deve ao sucesso do que chamamos de interface, a maneira como homem e máquina se comunicam. Quanto mais acessível a máquina, mais desejável e, portanto, mais comercial, ela é. E, quanto mais comercial a máquina maior a demanda e menor o preço. Ademais, tecnologias evoluem de forma irreversível: seria impensável hoje um mundo sem TV, rádio ou internet.

Os computadores estão aqui para ficar. Nenhum veículo na história da humanidade trouxe voz para tantos. A internet é o instrumento democrático mais poderoso que existe. As pessoas trocam idéias (boas e más, mal e bem intencionadas) como nunca trocaram antes, rapidamente, eficazmente. Esse novo mundo dá vazão à criatividade, seja ela artística ou técnica. A digitalização da cultura permite que qualquer um vire artista, manipule imagens, áudio, pesquise textos, crie galerias de arte virtuais e salões de discussão.
A domesticação do computador mudou o mundo irreversivelmente.

Qual será o produto a ser domesticado no século 21? Muitos dizem, e eu concordo, que a ciência que mais crescerá será a biologia. Embora a tendência das ciências seja caminhar para uma interdisciplinariedade crescente, serão as questões da biologia, a origem da vida, a manipulação de genes de animais, pessoas e vegetais, o estudo da mente pela neuropsicologia, que provocarão as revoluções deste século. Dentre as novas tecnologias, a que mais tem causado estardalhaço é sem dúvida o seqüenciamento do genoma, humano e outros. As conseqüências são enormes, tanto em termos de promessas de uma nova medicina quanto em relação à questões éticas. O que fazer com alimentos transgênicos, com a clonagem de animais e de humanos, com o uso das células-tronco?

Em uma palestra recente, Dyson sugere que a tecnologia a ser domesticada será o seqüenciamento de DNA. Da mesma forma como os computadores ficaram acessíveis, a capacidade de manipular genes também ficará. Adolescentes poderão inventar seus animais de estimação, híbridos de sapo e beija-flor. Adultos poderão desenhar sua prole. Dyson, muito espertamente, deixa a questão ética e da regulamentação de lado. Mas o que sugere leva à reflexão. Se somos controlados pelas forças de mercado, quanto tempo demorará para que a comercialização da genética seja feita? E como ficará determinado quem poderá brincar com esse brinquedo perigoso?


Nenhum comentário:

Postar um comentário