domingo, 4 de junho de 2006

Horizontes perdidos

Será possível, com telescópios cada vez mais poderosos, observar a origem do tempo?

O mar não termina além do horizonte. Na verdade, o horizonte não existe: é apenas um círculo imaginário criado pela posição do observador devido à curvatura da Terra. Caso o observador mude de posição, o horizonte também muda, delimitando o que pode ser visto diretamente, um compromisso entre o fato de a Terra ser redonda e a trajetória reta da luz.

Em cosmologia também se define um horizonte, conforme descrito na coluna da semana passada: visto que o Universo tem uma idade finita, definida como o tempo transcorrido entre sua origem e hoje, em torno de 14 bilhões de anos, a distância ao nosso horizonte cósmico é de 14 bilhões de anos-luz, ou o que a luz percorre em 14 bilhões de anos. Como nada pode viajar mais rápido do que a luz, o horizonte cósmico determina uma fronteira absoluta do conhecimento: mesmo que algo exista além dele, não podemos receber informação a respeito. A situação é bem mais complexa -e interessante- do que ocorre com o mar. Afinal, com o mar podemos sempre mudar de posição para investigar o que existe adiante. Com o Universo a coisa é mais sutil. Devido ao fato de a velocidade da luz ser finita, 300 mil km/s, a informação de um objeto distante demora para chegar até nós. Por exemplo, se o Sol explodir agora, só saberemos em oito minutos, o tempo para a luz viajar do Sol à Terra.

Já as estrelas mais próximas estão a aproximadamente 4,5 anos-luz daqui, enquanto Andrômeda, nossa galáxia vizinha, está a 2 milhões de anos-luz. Ao observamos Andrômeda, estamos vendo-a como era há dois milhões de anos, quando os primeiros hominídeos caminhavam sobre a Terra: olhar para objetos cada vez mais distantes é olhar cada vez mais para o passado. Hoje, os astrônomos detectam radiação vinda de objetos a 13 bilhões de anos-luz de distância, menos de um bilhão de anos-luz da origem: o cosmo em sua adolescência, as primeiras galáxias nascendo, juntamente com seus milhões de estrelas. Será então possível, com telescópios cada vez mais poderosos, observar a própria origem do universo, a origem do tempo?
Infelizmente não. Um pouco antes do horizonte cósmico de 14 bilhões de anos-luz encontramos outro horizonte, a fronteira do que é observável diretamente. Para vermos um objeto, luz tem que viajar livremente entre ele e nossos olhos (ou telescópios, dá no mesmo). Considerando que o Universo está em expansão desde a sua origem, voltar à infância cósmica significa reverter a um passado onde galáxias que hoje estão separadas por distâncias de milhões ou bilhões de anos-luz estavam muito próximas.

Quando essas distâncias relativas encolhem a um fator de mil, o Universo era tão pequeno que sua temperatura era também em torno de mil vezes maior. Isso porque a temperatura aumenta quando a matéria é comprimida. A essas temperaturas, átomos são dissociados e seus componentes, elétrons e núcleos, passam a ser livres. Ou seja, quando o cosmo tinha um milésimo do tamanho, podia ser descrito como uma sopa de radiação, elétrons e prótons interagindo a temperaturas de milhares de graus. A radiação, cuja porção visível chamamos de luz, não podia mais viajar livremente, chocando-se constantemente com elétrons e prótons. O Universo deixa de ser transparente: durante sua infância o cosmo era opaco. Essa transição ocorreu 300 mil anos após o Big Bang. Esse período inicial só pode ser "observado" indiretamente, assim como os dinossauros: não precisamos estar lá para saber que existiram. O que não significa que não seria fantástico se pudéssemos. Sobre os possíveis fósseis cósmicos, fica para outra semana.

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