domingo, 28 de maio de 2006

A fronteira do Universo


Einstein mostrou que um Universo estático e esférico era possível, mas logo viu que era instável

A ciência é uma narrativa sempre em evolução. Novas descobertas são feitas, idéias e teorias são propostas na medida em que avanços tecnológicos e conceituais vão surgindo, muitas vezes lado a lado. É por isso que o conceito de "verdade científica" deve ser visto com muito cuidado: o que parece ser verdade hoje pode não sê-lo amanhã. O mais prudente é adotar uma postura aberta, ciente de que inovações são parte do processo científico.

Um excelente exemplo disso é a concepção espacial do cosmo, ou seja, a forma do Universo. Para alguém vivendo na Grécia Antiga ou na Renascença, o cosmo era muito diferente da concepção atual. Começando com a Grécia Antiga, Aristóteles propôs um cosmo finito, fechado, com a forma de uma cebola: a Terra, imóvel no centro, cercada de esferas concêntricas, cada uma carregando um objeto celeste diferente, na seguinte ordem: Lua, Mercúrio, Vênus, Sol, Marte, Júpiter, Saturno, e a esfera das estrelas fixas. Não existia um "lado de fora": o cosmo era apenas aquilo. Na medida em que as esferas giravam, giravam também os objetos celestes.

Na verdade, o sistema de Aristóteles era bem mais complicado, pois pretendia também explicar certas anomalias que vemos nos movimentos planetários: em determinadas épocas do ano, os planetas exteriores (mais obviamente Marte e Júpiter) parecem andar em marcha-à-ré, revertendo a direção de seu movimento. Para tentar explicar o fenômeno, conhecido como movimento retrógrado, Aristóteles propôs mais de 50 esferas conectadas entre si. Para iniciar o movimento dessa engrenagem cósmica, supôs a existência de mais uma esfera, externa a todas as outras, conhecida como "Primum Mobile", o primeiro movimento, capaz de empurrar as outras esferas de fora para dentro.
Na Idade Média, a Igreja adotou o esquema de Aristóteles, equacionando a "Primum Mobile" com a morada de Deus, que dirigia o cosmo de sua fronteira. A diferença mais importante é que, enquanto o cosmo aristotélico era eterno, o cosmo cristão medieval havia sido criado no passado.

Apenas no final do século 17, Isaac Newton modificou o esquema, propondo que o cosmo fosse infinito, refletindo o poder infinito de Deus. A partir de então, o cosmo fechado abriu-se, tornando-se cada vez maior e mais exótico, repleto de objetos que só podem ser vistos por telescópios, como galáxias, nebulosas e novos planetas, como Urano, Netuno e Plutão.

Mas foi no século 20 que a grande revolução cosmológica mudou de vez nossa concepção cósmica: em 1917, Einstein aplicou sua nova teoria da relatividade, que equaciona a geometria do espaço com a matéria que o preenche, ao Universo como um todo. Com isso, foi o primeiro a obter, matematicamente, a geometria do cosmo. Mostrou que um Universo estático e esférico era possível, mas logo viu que era instável. A seguir, na década de 1920, descobertas astronômicas demonstraram que o Universo está em expansão constante: as galáxias afastando-se cada vez mais. O cosmo passa a ser plástico, passa a ter uma história: se as galáxias se afastam, no passado estavam mais próximas.

Hoje sabemos que a expansão começou há 14 bilhões de anos. Isso levanta uma questão: o que existe, então, do "lado de fora" do Universo? A fronteira do Universo visível é determinada pela distância que a luz viajou em 14 bilhões de anos, 14 bilhões de anos-luz. Do lado de fora existe apenas mais Universo: mais galáxias, estrelas, nebulosas. Como escreveu o físico Freeman Dyson, o Universo é infinito em todas as direções.

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