domingo, 15 de outubro de 2006

Fóssil cósmico



Medir uma variação de temperatura tão pequena é um feito tecnológico incrível


Neste ano, muito merecidamente, o Prêmio Nobel de Física foi para dois pesquisadores americanos da área de cosmologia, John Mather e George Smoot. O que eles mediram foi nada mais nada menos do que as propriedades da radiação cósmica de fundo, fóssil principal do Universo primordial, produzida quando o cosmo tinha apenas 400 mil dos seus atuais 14 bilhões de anos. É essa radiação que dá ao modelo do Big Bang sua ampla aceitação na comunidade científica. Ela mostra que o Universo teve mesmo uma infância muito quente e densa, e que ele vem se expandindo e resfriando desde então.

Na sua infância mais tenra, quando tinha apenas uns cem mil anos, o cosmo era muito diferente: não existiam galáxias ou estrelas. O espaço era preenchido por uma sopa de partículas -na maioria os prótons, nêutrons e elétrons que compõem os átomos, e alguns núcleos atômicos leves, como o hélio e o lítio-, somada a radiação eletromagnética. Essa radiação, segundo a física moderna, pode ser interpretada como também sendo composta de partículas, chamadas fótons. Cada tipo de radiação eletromagnética -a luz visível, o ultravioleta, o infravermelho, as microondas ou os raios X -tem fótons com energia determinada. Por exemplo, a luz visível tem mais energia do que as microondas e menos do que os raios X.

Pois bem: segundo o modelo do Big Bang, naquela época os fótons, os elétrons e os prótons interagiam tão furiosamente que, a cada vez que os prótons e elétrons queriam juntar-se para formar átomos, os fótons interrompiam o flerte, num triângulo amoroso que não se resolvia. Finalmente, quando o Universo atingiu em torno de 400 mil anos e resfriou-se um pouco mais, os fótons perderam energia a ponto de permitir que elétrons e prótons formassem os primeiros átomos de hidrogênio, o elemento químico mais simples.

A partir daquele momento, os fótons passaram a viajar livremente pelo espaço, dando origem à radiação cósmica de fundo. Ela havia sido prevista já no final dos anos 1940, por George Gamow, Ralph Alpher e Robert Hermann, os primeiros a sugerir o modelo do Big Bang. Sua existência foi confirmada em 1964, o que rendeu o Prêmio Nobel aos seus descobridores, Arno Penzias e Robert Wilson. O que Mather e Smoot fizeram foi estudar as propriedades da radiação em grande detalhe e verificar uma outra previsão feita por físicos teóricos, a de que a radiação cósmica de fundo carrega informação do processo responsável pelo nascimento das galáxias e da sua distribuição no espaço.

Mather e Smoot fizeram suas medidas fora da Terra, com o satélite da Nasa batizado Cobe (do inglês Cosmic Background Explorer), entre 1989 e 1990. Mather e seu time mostraram que, de fato, a radiação é extremamente homogênea, tendo a mesma temperatura em todos os pontos do espaço, medida em 2,75 Kelvin, ou -270,25C. Muito frio o cosmo atual! Mas existe uma variação de temperatura de uma parte em cem mil, ou seja, de um centésimo de milésimo de grau. Essa variação é devida à aglomeração de enormes nuvens de gás, cuja gravidade afeta a temperatura dos fótons. Essencialmente, eles perdem energia ao tentar escapar das nuvens e a ganham ao cair nelas, como uma criança num escorrega. Esse ganho ou perda de energia causa a minúscula variação de temperatura medida pelo Cobe. Medir, usando um satélite, uma variação de temperatura tão pequena é um feito tecnológico incrível. Como disse Smoot metaforicamente, "foi como ver a face de Deus": a radiação é um registro das variações gravitacionais que levaram às primeiras galáxias e, finalmente, a nós.

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