domingo, 1 de outubro de 2006

Ciência e democracia

Algo de terrível ocorreu no país que se diz o grande exportador de democracia, os EUA

Em época de eleição, é sempre importante revermos certas premissas sociopolíticas que permitem o livre fluir das idéias e, com isso, estabelecem as bases de uma cultura na qual a democracia é celebrada e não condenada. Um dos fundamentos da democracia é a possibilidade de cada cidadão ter liberdade de expressar suas opiniões e, através de seus representantes políticos, vê-las debatidas e, se possível dentro de uma maioria, vê-las abraçadas pela sociedade.

Ou seja, votamos para que nossas idéias e opiniões sejam representadas para o resto da sociedade pelos políticos que elegemos. Portanto, os políticos deveriam ver com muita seriedade o seu papel de representantes da opinião pública, das pessoas que os escolhem como a sua voz perante o resto da sociedade. Quando não o fazem, e, infelizmente, isso ocorre com mais freqüência do que os eleitores gostariam, é porque não levam o seu trabalho -e a confiança que neles foi depositada por milhares ou mesmo milhões de pessoas- a sério.

Claro, isso não é novidade, ou não deveria ser, para ninguém. Me vem em mente a confiança que depositamos nos nossos cientistas e engenheiros ao entrarmos num carro ou avião. Se essas máquinas não funcionarem perfeitamente, acidentes poderão ocorrer, muitas vezes com resultados fatais. Se não confiássemos nos engenheiros e cientistas, jamais viajaríamos de avião. Se televisões e computadores explodissem quando fossem ligados não assistiríamos televisão ou usaríamos computadores: a sociedade entraria em pane e retornaríamos ao século 19 -quando, aliás, a democracia ainda usava calças curtas nos EUA e não existia em vários outros lugares. Imagine se o mesmo ocorresse com a política: se não confiássemos nos nosso políticos, jamais votaríamos neles. Ou em ninguém. O resultado seria desastroso: sem eleição não pode haver democracia e, sem democracia, a opinião do povo não é representada.
Sem essa confiança a sociedade não funciona, política ou tecnologicamente. Algo de terrível ocorreu com o processo democrático recentemente no país que se diz o grande exportador de democracia para o mundo, os EUA. Menciono isso como um exemplo a não ser seguido por nós, mesmo porque muito possivelmente sofreremos, nós e o resto do mundo (inclusive os EUA), as conseqüências dele.

Em fevereiro, cientistas trabalhando para a Secretaria Nacional da Atmosfera e Oceanos (Noaa) dos EUA resolveram criar um painel para debater a possível relação entre furacões e o aquecimento global. Dadas as terríveis conseqüências dos furacões, que causam devastação e morte em proporções apocalípticas, o painel é extremamente importante. Vide o furacão Katrina, que arruinou a cidade de Nova Orleans. O painel, segundo a prestigiosa revista científica "Nature", concluiu que, de fato, existe uma relação entre o aquecimento global e o aumento no número e intensidade dos furacões. Os resultados do painel deveriam ser publicados em maio. Só que não foram. Diretores da Noaa bloquearam sua publicação, dizendo que o texto não representa a posição oficial da agência. O Estado interferiu na livre circulação das idéias.

Qual é a posição oficial? Os EUA não assinaram o Protocolo de Kyoto, que visa controlar a emissão de gases poluentes que cientistas acusam de causar o aquecimento global. Controlá-los significaria impor restrições às indústrias, o que acarretaria em custos. A quem, então, está servindo o governo americano? Certamente não à sua população ou à população mundial, que sofre as conseqüências claras dos furacões, entre outras. Essa visão de curto prazo vai custar muito mais no futuro.

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