domingo, 5 de novembro de 2006

A controvérsia das supercordas



Ou a teoria se prova correta ou nunca se provará incorreta


Os físicos teóricos estão em conflito; se não em conflito, ao menos divididos em campos de opinião. ("Guerra" é um termo forte demais para essa disputa acadêmica.) De um lado estão os teóricos que trabalham nas supercordas: não se equilibrando nelas, mas usando-as como alicerces de toda uma nova descrição da matéria. Do outro estão os seus críticos, físicos que acham que as abstrações envolvidas na teoria das supercordas são apenas isso, abstrações, que não têm nada a ver com a natureza. Toquei no assunto na coluna de 24 de setembro ("Entre a física e a metafísica") mas, devido a pedidos de vários leitores, volto a abordá-lo.

Eis uma breve história das supercordas. Uma das questões mais complexas da física de altas energias é a estrutura dos prótons e de outras partículas parecidas. Prótons são compostos por três partículas menores, chamadas quarks. O mistério é que ninguém vê quarks livres em experimentos, como vemos prótons ou elétrons. Quarks estão confinados nos prótons, como prisioneiros. Por que isso? Alguns modelos supõem que os quarks estão ligados por tubos ou cordas. Quanto mais distantes os quarks, mais tensão nas cordas e, portanto, mais difícil é separá-los.

Em meados dos anos 1980, dois físicos resolveram usar essas cordas num projeto bem mais ambicioso. Não para confinar quarks nos prótons, mas como base de uma teoria que unificaria toda a física de altas energias. A idéia é que essas cordas vibram em freqüências diversas, da mesma forma que as cordas de violão. Cada modo de vibração corresponde a uma energia e essa energia está associada a uma partícula fundamental. Portanto, elétrons seriam na verdade cordas minúsculas vibrando em certa frequência, quarks em outra e assim por diante. Como em física de altas energias as forças entre as partículas também são partículas (por exemplo, a atração entre cargas elétricas é conseqüência de partículas chamadas fótons), essas cordas fundamentais unificam matéria e força: todas as partículas de matéria e as quatro forças, inclusive a gravidade, são reduzidas a cordas vibrando. É uma bela idéia que atraiu multidões de jovens teóricos.

Os dois físicos demonstraram que, para que fizesse sentido, a teoria precisava ser formulada em dez dimensões: uma para o tempo e nove espaciais -seis a mais do que as que vemos. Esse foi o primeiro problema: prever um Universo com seis dimensões adicionais. Tudo bem -talvez elas sejam pequenas a ponto de serem invisíveis aos nossos experimentos, feito uma mangueira vista de muito longe, que parece uma linha e não um longo cilindro. Eu mesmo trabalhei nisso durante meu doutorado, tentando esconder as dimensões extra.

O formato ou geometria dessas dimensões afeta as previsões da teoria. E, claro, a idéia é reproduzir o mundo em que vivemos. Só que... aparentemente existe um número absurdamente grande de geometrias possíveis e ninguém sabe como selecionar uma delas. Ou seja, a teoria ainda não conseguiu, após mais de 20 anos, estabelecer contato com o mundo real. "É uma questão de tempo", dizem os teóricos das supercordas; "não, é uma enorme perda de tempo", dizem seus críticos, afirmando que os teóricos de cordas têm uma mentalidade de clã, cegos pelos seus dogmas.

O maior problema é que a teoria das supercordas é difícil de ser refutada; dá-se um jeito aqui ou ali, e a possibilidade de testá-la fica além dos experimentos. Portanto, ou damos sorte e ela é provada correta, ou jamais será provada incorreta. Clã ou não, a situação é delicada, especialmente se mais duas décadas se passarem e a teoria continuar sem confirmação.

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