domingo, 26 de julho de 2009

Destino genético



A assinatura de muitas doenças é desconhecida ou incompleta


Madame Zoé, a famosa quiromante, está mudando de técnica. Ela tirou o turbante, vestiu o jaleco e, em vez de interpretar as linhas na mão de seus clientes, analisa as linhas de seus códigos genéticos. É bem verdade que a análise genética de madame Zoé não dirá muito sobre a vida amorosa de seu cliente, ou se ele ganhará na loteria na semana que vem. Por outro lado, seu cliente aprenderá sobre a probabilidade de que ele ou ela venha a contrair uma doença grave no futuro ou se tem alguma predisposição contra a qual deva se precaver. Ao menos essa é a intenção da consulta de madame Zoé.

Com o desenvolvimento acelerado das técnicas de leitura dos genes humanos, um novo fenômeno vem ocorrendo nos EUA e Europa: por cerca de US$ 400, empresas privadas, em geral pequenas, se predispõem a analisar porções do genoma (conjunto do DNA) de seus clientes. O resultado é um relatório que lista a presença (ou ausência) de traços relacionados com doenças que incluem o diabetes tipo 2 (contraído na idade adulta), vários tipos de câncer, anemias, doenças cardíacas e muitas outras.

A análise é estatística e não envolve um sim ou um não categóricos. Infelizmente, tal qual as antigas técnicas da madame Zoé, as incertezas na análise comercial da predisposição genética a muitas doenças ainda são grandes. Os problemas são muitos, desde a falta de uma base de dados para comparação ampla o suficiente até a intervenção de fatores externos em muitas doenças, como, por exemplo, no câncer de mama e também na insuficiência coronariana.

Cerca de 99,5% do código genético das pessoas é idêntico. Ou seja, se compararmos 200 genes de duas pessoas, em média apenas um será diferente. Vale lembrar que o genoma humano consiste de cerca de 6 bilhões de "letras", arranjadas em 23 pares de cromossomos. Cada cromossomo contém uma molécula de DNA, uma longa sequência de quatro moléculas identificadas pelas letras A, C, T e G. São essas as "letras" do genoma. A ordem em que essas quatro moléculas aparecem determina o gene da pessoa.

Cada ser humano tem uma sequência específica, a sua assinatura genética. O que as novas tecnologias fazem é ler essa sequência de letras.

Claro, não são lidas todas as letras. Em geral, apenas 500 mil, do total de 6 bilhões. Dessa amostra, espera-se encontrar as "palavras" que podem ser identificadas com diferentes doenças.

Para que a técnica funcione, é necessário saber quais são as palavras. Em alguns casos, como a hemofilia, isso não é tão complicado. Basta obter uma amostra de, digamos, centenas de pessoas saudáveis e centenas de pessoas com a doença, comparar trechos dos genes e identificar padrões em comum nas pessoas com a doença que não aparecem no outro grupo.

Na prática, as coisas não são tão simples. A assinatura de muitas doenças é desconhecida ou incompleta, ou mesmo variável. Portanto, os resultados são expressos estatisticamente e incluem também o efeito de fatores ambientais no curso da doença. Por exemplo, fulano tem 22% de probabilidade de contrair diabetes tipo 2, uma doença na qual apenas 26% dos casos são ligados a fatores genéticos. Neste caso, fatores ambientais -o que a pessoa come, a sua qualidade de vida- afetam mais do que fatores genéticos.

Espero que os planos de saúde não comecem a usar esses estudos para calcular o valor de suas apólices. É bom interpretar os resultados atuais como sugestões.

Por outro lado, a rapidez com que a pesquisa em genética evolui promete mesmo uma revolução na prevenção e detecção de doenças. Esperta essa madame Zoé.

Um comentário:

  1. Dr. Gleiser
    É incrível a simplicidade de expressão que o senhor possui. Transforma assuntos convencionais,de salas formais, em corriqueiros, de cozinha. Assistir aos vídeos é imperdível; pois, além de inteligente, o senhor é lindo!

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