domingo, 4 de outubro de 2009

Frankenstein revisitado



Se pudéssemos nos clonar e armazenar nossas memórias, seríamos imortais


É difícil não associar o nome "Frankenstein" com o monstro criado na versão cinematográfica de 1931, dirigida por James Whale, famosamente interpretado por Boris Karloff: uma criatura mentalmente perturbada, um assassino que mal podia ser considerado humano.

Quem leu o romance de Mary Shelley, entretanto, sabe que a história original era bem outra. E o seu significado, muito mais profundo.

A jovem vitoriana criou um ser muito mais sofisticado do que aquele retratado por Hollywood. No livro, publicado em 1818, o monstro não tinha nada de retardado ou de psicopata. Inteligente, conversava com o seu criador, lia livros e sonhava em ser amado. Foi aí que o problema começou.

O monstro, entendendo que a sociedade jamais o aceitaria, pede ao seu criador uma companheira com quem pudesse dividir os seus dias nos confins da Terra, longe de tudo e todos. Horrorizado, o doutor se recusa a fazer isso. Não criaria uma raça de monstros que logo se multiplicariam e destruiriam toda a raça humana.

Frankenstein é um romance de ficção científica. Ele explora a questão dos limites da ciência. Será que a ciência pode sobrepujar a morte? Se puder, será que deve fazê-lo? Ou será que existem questões que a ciência simplesmente não deve abordar?

No início do século 19, a ciência de ponta explorava as propriedades da eletricidade. Na Itália, Luigi Galvani havia descoberto a "eletricidade animal". Ele mostrou que os músculos de um sapo morto se contraem quando uma corrente elétrica passa por eles.

A conexão entre a eletricidade e a vida foi imediata. Se a eletricidade pode animar um sapo morto, por que não uma pessoa? Seria possível que o segredo da vida se ocultasse nos poderes da eletricidade? Seria esse o segredo da imortalidade?

Não há dúvida de que a eletricidade está ligada à vida. Basta assistirmos a algum seriado sobre medicina na televisão, como o popular House, para vermos corações serem reanimados por correntes elétricas. O segredo do sucesso do romance de Mary Shelley foi ter combinado a ciência de ponta de sua época com um dos maiores tabus da sociedade: o controle, por mãos humanas, da vida e da morte.

Infelizmente (ou felizmente?), para ressuscitar os mortos, nós temos que ultrapassar uma outra barreira, bem maior do que a circulação de impulsos elétricos pelo corpo. Ela é conhecida como decaimento da matéria.

Mesmo ao nível celular, e mesmo enquanto vivos, existem mecanismos celulares e genéticos que controlam o envelhecimento. Aparentemente, é possível diminuir a taxa de envelhecimento celular (ao menos em ratos de laboratório) administrando certas proteínas. Ao nível genético, ratos que têm a ação do gene mclk1 comprometida envelhecem mais devagar.

Talvez, em algumas décadas, essas técnicas levem a um controle da taxa de envelhecimento em humanos. Mesmo assim, viver 120 anos não é a mesma coisa que ser imortal.

Uma proposta mais ambiciosa e, no momento, digna de um romance de ficção científica do século 21 (o nosso Frankenstein?), é a do cientista e inventor americano Ray Kurzweil.

Ele especula que talvez um dia seja possível armazenar as nossas memórias como fazemos com a informação em computadores. Se pudéssemos também criar clones de nós mesmos, poderíamos, ao menos em princípio, programar o cérebro dos clones com a nossa "essência" de modo a propagar nossa existência indefinidamente.


Vamos supor que, um dia, algo assim seja possível. Será que estaríamos inventando o fim da humanidade, como temia o doutor Frankenstein? Ou será esse o nosso destino?

Um comentário:

  1. talvez sejamos o Frankeinstein de nós mesmos...psicològicamente sim.
    Talvez.
    Sou ignorante.

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