domingo, 25 de abril de 2010

Terra rara





Se estamos sós, somos raros e, por isso, preciosos num Universo tão vasto




Criticar os seres humanos é fácil até demais. Estamos destruindo o mundo; matamo-nos uns aos outros; somos incapazes de respeitar opiniões diferentes; somos egoístas, uma espécie invasiva e parasitária. Em meio a tanta negatividade, talvez seja oportuno expressar um ponto de vista alternativo, mais inspirador. A celebração mundial do Dia da Terra semana passada oferece uma oportunidade para refletirmos sobre nosso planeta não só dentro das questões de aquecimento global e da explosão populacional versus sustentabilidade e energias alternativas mas, também, através do que podemos chamar de uma perspectiva cósmica.

A ciência nos ensina que, quanto mais aprendemos sobre o mundo, menos importantes somos. Às vezes, essa noção ganha o nome de princípio copernicano: desde que Copérnico "removeu" a Terra do centro do cosmo, quanto mais a ciência avança, mais vemos que nossa localização espacial é irrelevante e que não somos nada essenciais. O Universo é indiferente à nossa existência. Dado que as mesmas leis da física e da química são aplicáveis em todo o cosmo, sabemos que existem outros sóis na imensidão do espaço, cercados também de planetas. Nosso Sistema Solar é um dentre trilhões de outros, nada importante.

Quando incluímos a cosmologia moderna, a coisa fica ainda mais feia. Nossa galáxia é uma dentre centenas de bilhões de outras, cada uma delas com centenas de bilhões de estrelas. Em 1929, o astrônomo americano Edwin Hubble mostrou que o Universo está em expansão, e que nenhum ponto do espaço é mais importante do que outro. Na década de 1990, uma ideia radical foi proposta: nosso Universo é um entre uma infinidade de outros, borbulhando de uma entidade atemporal chamada "Multiverso". Não sabemos se o Multiverso é real -talvez seja impossível determinar isso-, mas muitas correntes da cosmologia moderna adotam a ideia. Será que somos assim tão desprezíveis?

Felizmente, quanto mais aprendemos sobre o Universo, mais aprendemos algo que contradiz o princípio copernicano. É bem verdade que não ocupamos o centro de todas as coisas, e que nossa galáxia é uma dentre centenas de bilhões de outras. Porém, quando olhamos para nossos vizinhos cósmicos, os planetas e luas do Sistema Solar, vemos mundos hostis, mortos. A Terra, sozinha, emerge como um oásis, rara e preciosa.

Acoplando a raridade da Terra à história da vida aqui nos últimos 3,5 bilhões de anos, chegamos a uma revelação transformadora: mesmo se, um dia, encontrarmos vida em algum outro lugar, a probabilidade é muito elevada de que esta vida seja simples, constituída de seres unicelulares. (Deixo de lado especulações sobre formas de vida com bioquímicas diversas da nossa.) As transições da vida unicelular para a multicelular e, daí, para seres complexos e inteligentes são extremamente improváveis, resultados de uma série de acidentes. No entanto, o fato de que a vida não é resultado de um plano pré-determinado -cósmico ou sobrenatural- não significa que não tenha sentido.

Mesmo se a vida complexa existir no cosmo -e não podemos afirmar que não exista-, está tão distante daqui que, na prática, estamos sós. E, se estamos sós e temos a habilidade de pensar, somos raros e preciosos: somos como o Universo reflete sobre si mesmo. Portanto, conforme sugeri no meu livro "Criação Imperfeita", temos de adotar uma nova ética que nos eleve acima da moralidade tribal que vem dominando a história da civilização por milênios. Precisamos preservar a vida a todo custo, transformando-nos nos guardiões deste mundo.

Não temos outra opção.

8 comentários:

  1. Gostaria de comunicar a todos os leitores deste blog sobre a promoção que estou realizando no meu blog de divulgação científica, o “Imperativo Científico”. Estou sorteando o Criação Imperfeita.
    Acessem http://imperativocientifico.blogspot.com/2010/04/promocao-imperativo-cientifico.html
    e descubram como participar!
    Grato,
    Rafael

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  2. Caro Marcelo Gleiser,

    penso que, mesmo Copérnico tendo "levado a Terra para outro lugar", ele não retirou dela a 'posição' de ser a guardiã do que há de mais precioso nesse universo que conhecemos:
    a Vida - temos essa sensação unicamente por estarmos vivos! Ele apenas "arrumou a casa",e o fez muito bem.
    Você tem razão - e mais ainda, tem vida!Sejamos guardiões do mundo. Abram-se todas as aldeias e vamos Todos conViver em paz!
    Poliana Oliveira

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  3. Caro Marcelo Gleiser,

    penso que, quando Copérnico "levou a Terra para outro lugar", não retirou dela a 'posição' de ser a guardiã do que há de mais precioso nesse universo que conhecemos:
    a Vida! - temos essas certeza unicamente por estarmos vivos. Ele apenas "arrumou a casa", e o fez muito bem.
    Você tem razão - e tem vida!

    Poliana Oliveira

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  4. concordo. como já dizia o sábio budista Nitiren Daishonin,no século 13, "é muito raro nascer ser humano" e "é preciso esforço para se tornar humano", dentro da concepção que Marcelo Gleiser coloca aqui.bacana mesmo uma pessoa como ele, Gleiser, fazer as pessoas refletirem sobre o que foi colocado aqui nesta postagem.reflexão provoca ação. tá mais do que na hora.

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  5. Concordo com a raridade mas acho que preciosidade é um tanto quanto egocêntrico e antropocêntrico.

    Termos como sustentabilidade, responsabilidade social, etc, são criações de marketing.

    A algumas hipocresias nesse "cuidado com a Terra".

    Primeiro porque acabar com a vida neste planeta seria como um "espirro" para o mesmo, que em pouco tempo acharia outra natureza para contruir.

    Segundo porque a grande ecologia (se além da mesquinharia estivéssemos de fato preocupados com o planeta) seria o menor consumo possível e a não procriação.

    Mas ninguém me parece disposto a abrir mão de nada e hipocritamente levam suas garrafas pet a um local de suposta reciclagem.

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  6. Marcelo Gleiser,

    Sei que é uma utopia, mas cada vez mais me convenço que a melhor saída para espécie homo sapiens seria o crescimento zero e deixar o planeta e os outros seres vivos seguirem a vida.

    Digo isso porque a capacidade intelectual permitiu que a espécie a use para o mal.

    Não sendo possível o crescimento zero, pelo menos uma redução drástica da população, para minimizar o impacto ambiental que estamos causando.

    Basta uma redução populacional hoje a 1/5, proporcionalmente em todo o planeta, que a distribuição de recursos seria automaticamente ajustada, minimizando a miséria e a dor dos menos favorecidos.

    Pelo menos tenho a consciência de que estou colaborando da melhor forma para o planeta, abrindo mão de deixar um exemplar homo sapiens e proteger minha linhagem de sofrer as consequências que com certeza a humanidade sofrerá no futuro, é so questão de tempo, e isso não é nada para a existência.

    Abraço.

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  7. É uma pena pensar assim. Deveriam-se reduzir a zero os valores egoístas, mesquinhos e desumanos. Só mesmo uma nova geração não contaminada com esses valores é que poderão renovar a Terra.

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  8. Infelizmente somos produto de preconceitos, e por isso enveredamos primeiro a procurar o Demiurgo. Como nao achamos, inventamos um, de acrdo com o estipulado naquela época. Depois, largamos de mão quando descobrimos que nao eramos o centro do Universo. Isso só podia ser coisa de matemático, Pronto. Trocamos um preconceito por outro. OUniverso não conhece nada disso, nem criador, nem numeros, porque não cursou nenhuma academia.

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