domingo, 8 de fevereiro de 1998

As nebulosas e as sementes primordiais do Universo

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

O astrônomo inglês William Herschel, descobridor do planeta Urano, comparava o céu noturno com um jardim "repleto de criações as mais variadas". Após décadas de árduas observações, Herschel compilou um catálogo celeste com mais de 2.500 dessas "criações", na época conhecidas apenas como nebulosas.

Para Herschel e outros astrônomos do início do século 19, nebulosas eram objetos celestes difusos, que, ao contrário de planetas ou estrelas, não apareciam como pontos de luz mas como manchas luminosas. Foram necessários outros cem anos para que a natureza das nebulosas fosse desvendada.

Por que a demora? Se olharmos para o céu em uma noite sem Lua, longe de qualquer cidade e de suas luzes, podemos distinguir apenas três objetos que seriam classificados por Herschel como nebulosas: Andrômeda, nossa galáxia vizinha, a aproximadamente 2 milhões de anos-luz do Sol, e as duas Nuvens de Magalhães, a 170 mil anos-luz do Sol. Devido à sua distância de nós, as nebulosas são difíceis de serem observadas. Com o desenvolvimento dos telescópios de grande porte, ficou claro que elas são vários tipos de objetos de natureza muito diversa, as "criações" do jardim cósmico de Herschel.

Existem galáxias, nebulosas planetárias, que são restos mortais de explosões estelares, aglomerados globulares de estrelas, nuvens de gás interestelar e vários outros tipos de "nebulosas". Mas, nem mesmo em seus sonhos mais criativos, Herschel poderia imaginar o quanto é rico e complicado o jardim celeste.

Nas últimas duas décadas, armados de poderosos telescópios e de novas tecnologias ópticas, que permitem que vastas porções do céu sejam fotografadas digitalmente com grande precisão, astrônomos descobriram que os céus não só exibem as mais variadas criações, mas também uma riquíssima cultura.

Talvez o melhor modelo da estrutura cósmica descoberta pelos astrônomos seja a do banho de espuma. Do mesmo modo que em um banho de espuma bolhas se tocam apenas na superfície, galáxias também são encontradas na "superfície" de bolhas, regiões com o interior praticamente vazio.

Um dos maiores mistérios da astronomia moderna é desvendar os mecanismos responsáveis pela formação dessas vastas estruturas cósmicas. Segundo observações atuais, muitas delas trabalho do excelente astrônomo brasileiro Luis Nicolacci da Costa, os "vazios cósmicos" podem ter diâmetros de dezenas de milhões de anos-luz!

O escultor principal dessa vasta estrutura cósmica é a força da gravidade. Modelos numéricos que tentam reproduzir as estruturas observadas usam a gravidade como a força responsável pelo colapso da matéria em estruturas organizadas, de galáxias e aglomerados de galáxias a bolhas cósmicas. No momento, os modelos mais bem-sucedidos, ou seja, que reproduzem melhor as estruturas observadas, usam três ingredientes. Primeiro, se adiciona matéria bariônica, ou seja, matéria ordinária, feita de prótons e nêutrons. A essa adiciona-se um outro tipo de matéria, conhecida como "matéria escura", que apenas interage com a matéria ordinária devido à gravidade. A natureza da matéria escura permanece ainda um mistério. Mas estamos certos de sua presença no Universo.

Mas só adicionarmos matéria e gravidade não é suficiente. É necessário também plantarmos sementes, concentrações de energia que possam provocar o colapso inicial da matéria bariônica e escura. Essas sementes primordiais são resultado de processos físicos que ocorreram durante a infância do Universo e ainda são foco de muita especulação. Mas, sem essas sementes, o jardim cósmico jamais poderá florescer, dando origem às suas ricas criações.

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