domingo, 1 de fevereiro de 1998

Beleza = simetria + ordem

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

A beleza é uma dessas coisas extremamente difíceis de serem definidas com precisão. O que para uns é belo, para outros pode ser horrível. Essa subjetividade cultural da beleza vai além do visual. Para os ocidentais, uma ópera chinesa ou um recital de cítara indiana pode ser uma experiência dolorosa. Para um aborígine australiano, Mozart pode soar no mínimo distante, certamente exótico.

No entanto, existem certos valores estéticos que parecem transcender fronteiras culturais ou mesmo temporais. Após a conquista romana do Egito, a decoração das múmias passou a ser influenciada pela arte clássica, criando uma espécie de fusão entre a arte egípcia e a greco-romana.

Retratos das pessoas mumificadas, pintados em estilo clássico, decoravam as tampas dos sarcófagos, dando-nos a oportunidade de aprender um pouco sobre os valores culturais e artísticos de uma sociedade que existiu há cerca de 2.000 anos.
É um fato curioso e relevante a universalidade do conceito de simetria como expressão do belo. Mesmo para olhos "ocidentais", a beleza da arte egípcia antes e depois da conquista romana é indiscutível. O mesmo acontece com a arte muçulmana, com suas decorações suntuosas de mesquitas em ladrilhos pintados em padrões geométricos, que influenciou a obra do pintor francês Henri Matisse. E quem não gosta de um tapete persa?

Portanto, algumas obras só são belas para uma certa cultura, enquanto outras transcendem barreiras culturais. A meu ver, a diferença entre dois tipos de beleza está ligada à noção de ordem. Temos de organizar o mundo à nossa volta por razões originalmente ditadas pela sobrevivência em um ambiente austero e competitivo.

Unidos à necessidade "tribal" de organização, certos fenômenos naturais se manifestam ordenadamente. Na aparição diurna do Sol, no ciclo anual das estações ou na volta periódica dos planetas, a natureza exibe, de forma aconchegantemente previsível, ciclos que ajudam a organizar nossa vida. O imprevisível, como furacões, tempestades ou a morte, está ligado ao mistério do desconhecido e à quebra da ordem. A desordem é assustadora e inspiradora, à sua maneira.

Simetria é o ponto de encontro entre beleza e ordem. Existe algo profundamente satisfatório na apreciação de uma forma simétrica, seja ela a arquitetura de um templo grego, de uma pirâmide egípcia ou de uma catedral gótica. Ou as asas de uma borboleta, a concha de um molusco, um arco-íris. Essa apreciação universal pelo simétrico como manifestação do belo vai além de sua expressão artística através dos tempos. Simetria é também uma das grandes fontes de inspiração da criatividade científica.

Pitágoras, no século 6 a.C., fundou uma escola filosófica que preconizava os números como representação da estética universal, uma ponte entre a razão humana e o mundo natural. Segundo os pitagóricos, tudo podia ser representado por números, sendo o papel do filósofo descobrir as relações secretas entre eles e a natureza.

Os pitagóricos criaram a noção de harmonia para representar o estado de transcendência que é atingido quando nossas aspirações estéticas, manifestas por meio dos números e suas relações, encontram ressonância no mundo real. Ordem, beleza e simetria são unificadas em uma experiência que une o místico ao intelectual.

Essa busca pelo que é tanto racionalmente belo quanto relacionado com uma descrição do mundo real é o que inspira grande parte da obra científica tanto no passado quanto hoje. Nós, como os pitagóricos, também celebramos a harmonia dos números na descrição científica da natureza.

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