domingo, 7 de junho de 1998

Reflexões sobre o tempo e a origem do Universo

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

Como dizia Cazuza, "o tempo não pára". São raras as ocasiões em que interrompemos nossas correrias diárias para dedicar alguns momentos a uma reflexão sobre a natureza do tempo. Com isso em mente, convido o leitor a uma reflexão sobre o tempo, na qual atuarei mais como incitador que como esclarecedor. Evitarei referências aos vários filósofos que já pensaram sobre isso.

Qualquer discussão sobre o tempo deve começar com uma análise de sua estrutura, que, por falta de melhor expressão, devemos chamar de "temporal". É comum dividirmos o tempo em passado, presente e futuro. O passado é o que vem antes do presente e o futuro é o que vem depois. Já o presente é o "agora", o instante atual.

Isso tudo parece bastante óbvio, mas não é. Para definirmos passado e futuro, precisamos definir o presente. Mas, segundo nossa separação estrutural, o presente não pode ter duração no tempo, pois nesse caso poderíamos definir um período no seu passado e no seu futuro. Portanto, para sermos coerentes em nossas definições, o presente não pode ter duração no tempo. Ou seja, o presente não existe!

A discussão acima nos leva a uma outra questão, a da origem do tempo. Se o tempo teve uma origem, então existiu um momento no passado em que ele passou a existir. Segundo nossas modernas teorias cosmogônicas, que visam explicar a origem do Universo, esse momento especial é o momento da origem do Universo "clássico". A expressão "clássico" é usada em contraste com "quântico", a área da física que lida com fenômenos atômicos e subatômicos.

Por que distinguir entre "clássico" e "quântico" quando discutimos a origem do tempo? Para responder a essa pergunta, devemos antes definir o que é o tempo, segundo a física clássica. Tempo e movimento estão intimamente relacionados. Afinal, para descrever a evolução de um sistema qualquer no espaço, por exemplo a órbita da Lua em torno da Terra, precisamos saber como sua posição muda no tempo: movimento é a mudança ou não de posição.

No final do século 17, Newton definiu o que chamamos de tempo absoluto, cuja passagem é sempre constante e independente do observador, fluindo como um rio (é difícil, se não impossível, falar do tempo sem usá-lo!). Mais tarde, no início do século 20, Einstein mostrou que, na verdade, a passagem do tempo depende do movimento relativo entre observadores.
Um exemplo famoso é o da sincronicidade: dois eventos, que ocorrem simultaneamente para um observador A, ocorrem em tempos diferentes para um observador B que esteja em movimento em relação ao observador A! Nós não percebemos esse efeito em nossa vida cotidiana porque as diferenças no intervalo de tempo são muito pequenas. O observador B precisaria estar se movendo com velocidade próxima à da luz, de 300 mil quilômetros por segundo.

As descobertas de Einstein mudaram profundamente nossa concepção do tempo. Em sua teoria da relatividade geral, ele mostrou que a presença de massa (ou de energia) também influencia a passagem do tempo, embora esse efeito seja irrelevante em nosso dia-a-dia. O tempo relativístico adquire uma plasticidade definida pela realidade física à sua volta.

A coisa se complica quando usamos a relatividade geral para descrever a origem do Universo. Mas, perto do momento inicial, as condições físicas eram tão violentas que a teoria não pôde ser mais usada. O próprio conceito de tempo perde sentido. Essa é a era da cosmologia "quântica", onde não é necessário falar da passagem do tempo. Segundo essa teoria, o Universo clássico, com seu tempo que nos é familiar, emerge espontaneamente da era quântica. É esse o momento que marca a "origem" do Universo. Quantos outros universos, cada um com sua história, emergiram também dessa era? Mas isso fica para uma "futura" coluna!

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