domingo, 28 de junho de 1998

Partículas-fantasma controlam futuro do Universo

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

No dia 5 de junho, pouco antes de começar a Copa do Mundo, um time de cerca de 120 físicos do Japão e dos EUA anunciou uma descoberta aparentemente irrelevante. O neutrino, uma partícula fundamental da matéria, tem massa. "Bem, isso não é nada surpreendente", diria um leitor mais cético. "Claro que uma partícula tem massa!"

Mas o fato de o neutrino ter massa é realmente fundamental e tem implicações não só para nossos modelos de como as partículas elementares da matéria interagem entre si, mas também para a evolução do Universo como um todo. Caso esses resultados sejam confirmados, o futuro do Universo poderá ser determinado pelos neutrinos, uma ilustração perfeita do "micro" influenciando o "macro".

A existência de partículas elementares é revelada por meio de suas interações entre si ou com outras partículas. Mas os neutrinos são extremamente difíceis de ser detectados. Como seu nome já diz, eles não têm carga elétrica. Mais ainda, neutrinos interagem muito fracamente com outras partículas de matéria. A cada segundo você é atravessado por trilhões de neutrinos, sem qualquer efeito. Por essa razão, neutrinos são chamados de "partículas-fantasma".

O modelo que descreve as interações entre as partículas elementares da matéria, chamado "modelo padrão", supõe que existam três tipos diferentes de neutrinos: o elétron-neutrino, o múon-neutrino e o tau-neutrino, todos sem massa, ao contrário do que sugerem os resultados do experimento. Ou seja, esse modelo precisa ser modificado, algo extremamente empolgante para os físicos de partículas.

A massa dos neutrinos pode nos revelar toda uma nova estrutura da matéria em seu nível mais fundamental, incluindo uma descrição do mundo por meio de uma teoria unificada das forças, um velho sonho de Albert Einstein.

A descoberta foi feita no experimento chamado "Super-Kamiokande", situado em uma antiga mina de zinco, escavada a 1 km abaixo dos alpes japoneses. Na cavidade da mina, encontramos um tanque com 50 milhões de litros de água extremamente pura. O tanque contém 13 mil tubos fotomultiplicadores, que são capazes de detectar a presença e a orientação de radiação eletromagnética.

Os neutrinos observados no Japão são produto da colisão de raios cósmicos -na sua maioria prótons provenientes do espaço- com as camadas superiores da atmosfera. Eles entram no tanque subterrâneo tanto por cima quanto por baixo, após atravessarem a Terra. Alguns raríssimos neutrinos chocam-se com o núcleo dos átomos de oxigênio na água do tanque, criando elétrons ou múons que, por sua vez, produzem a radiação que é detectada pelos fotomultiplicadores.

Como a Terra é redonda, o número de neutrinos colidindo com o taque deve ser o mesmo em todas as direções. Mas os resultados indicam um número maior de múon-neutrinos chovendo sobre o tanque do que sob o tanque, como se alguns neutrinos desaparecessem ao atravessar a Terra. Esse fenômeno é explicado por uma propriedade que apenas existe se os neutrinos têm massa, a "oscilação de neutrinos": neutrinos podem se transformar em seus três tipos, mudando de elétron-neutrino a um múon-neutrino ou a um tau-neutrino e todas as outras permutações. Um feixe de luz de qualquer cor pode ser representado como a combinação das três cores básicas: vermelho, amarelo e azul. Imagine um feixe onde azul vira vermelho etc.

A razão oferecida para o desaparecimento dos neutrinos é a sua transformação em tau-neutrinos, que não são detectáveis nesse experimento. Como tudo o que tem massa exerce uma atração gravitacional, os neutrinos podem compor a matéria escura que determina se o Universo continuará a se expandir para sempre ou se ele voltará a colapsar, numa inversão do Big-Bang.

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