domingo, 24 de janeiro de 1999

Assimetrias cosmológicas, pontes entre micro e macro


Em 1974, o grande astrofísico da então União Soviética Yakov Zeldovich e dois colaboradores publicaram um artigo com uma idéia que iria revolucionar o pensamento cosmológico. A idéia era baseada na aplicação da física de partículas elementares, a física do mundo subatômico, na descrição de fenômenos que ocorreram durante a mais tenra infância do Universo.
De acordo com o modelo do Big Bang, o Universo surgiu de um estado extremamente quente e denso, em que não havia estruturas complexas como átomos ou moléculas. Durante os primeiros instantes de sua existência, o Universo era composto de uma sopa primordial de partículas elementares que interagiam ferozmente entre si e com a radiação térmica que as rodeava.

É dessa origem quente e densa que surge a união entre a física do micro e a do macro; para entendermos a história do Universo desde seus primeiros instantes de existência (ou, quem sabe, sua própria existência), aplicamos as leis da física das partículas elementares na descrição de seu comportamento.

Por outro lado, observações cosmológicas restringem modelos que visam descrever as propriedades das partículas elementares; apenas algumas interações são consistentes com o Universo em que vivemos.

A infância do Universo era muito pesquisada já nos anos 70 graças à aplicação da física atômica e nuclear à cosmologia, inspirada no trabalho pioneiro de George Gamow, o arquiteto principal da idéia do Big Bang.

No final dos anos 40, Gamow e colaboradores propuseram o modelo do Big Bang (mas não com esse nome, cunhado mais tarde pelo astrofísico inglês Fred Hoyle, um crítico do modelo), aplicando física nuclear e atômica na descrição da infância do Universo; quanto mais perto do "momento inicial", mais quente o Universo e, portanto, maior a energia de seus constituintes.
A sequência, então, retrospectivamente, é física atômica, física nuclear e física das partículas elementares, a última importante apenas durante o primeiro milésimo de bilionésimo de segundo após o "Bang"! Nesse intervalo de tempo, à primeira vista diminuto, um fóton -partícula de radiação eletromagnética- percorre uma distância equivalente a cerca de 100 mil diâmetros atômicos, uma enormidade no mundo subatômico.

A física de altas energias diz que as partículas interagem segundo certas regras, ou simetrias. Uma regra simples é a conservação da carga elétrica: a carga elétrica total deve ser a mesma antes e depois da colisão entre as partículas. Certas simetrias mudam de acordo com a energia da interação, algo que nós podemos até detectar em nossas cozinhas; substâncias em seu estado líquido têm uma homogeneidade que desaparece quando congelam.

A perda de homogeneidade dos líquidos durante sua solidificação vem de um rearranjo de seus átomos em redes cristalinas. A simetria existente em altas temperaturas (homogeneidade dos líquidos) desaparece a baixas temperaturas (redes cristalinas dos sólidos).

As simetrias descrevendo as interações entre as partículas elementares também são quebradas em baixas energias ou temperaturas. No início de sua existência, o Universo era muito quente e muito simétrico. Desde então, ele vem se expandindo e, como consequência, sua temperatura vem abaixando. Hoje, acreditamos que essa grande simetria primordial foi quebrada em sucessão, provocando mudanças nas interações entre as partículas elementares (e até mesmo no tipo de partículas que havia em épocas diversas), até chegarmos ao Universo em que vivemos, assimétrico e cheio de estruturas, de átomos a galáxias.

A reconstrução dessa história, ou seja, como evoluímos de uma sopa primordial a um Universo tão rico, é o objeto de pesquisa dos físicos que, como esse autor, trabalham na interface entre a cosmologia e a física de partículas, inspirados pela criatividade de Zeldovich e colaboradores.

Nenhum comentário:

Postar um comentário