domingo, 10 de janeiro de 1999

O poeta da ciência e sua releitura no fim do milênio



É comum se dizer que poucas atividades criativas são tão antagônicas quanto poesia e ciência; enquanto uma expressa uma visão subjetiva e emocional do mundo, a outra expressa uma visão universal e racional. Enquanto uma é produto de inspiração e lirismo, a outra, de dedução e análise. Pelo contrário, a obra de certos poetas mostra uma profunda apreciação da visão científica da época.

No século 14, Dante Alighieri oferece, na sua "A Divina Comédia", uma clara representação do universo medieval cristão, com suas esferas dentro de esferas. Shakespeare e Milton escreveram versos inspirados pela música das esferas, a misteriosa harmonia cósmica postulada pelo grego Pitágoras no século 6 a.C. Já o poeta Alexander Pope assim celebrou a obra de Isaac Newton: "A natureza, suas leis, escondiam-se na escuridão; e Deus disse: "Faça-se Newton!', e tudo se iluminou".

Claro, é possível encontrar poetas com uma visão crítica à visão da ciência, como no caso de William Wordsworth, John Keats e outros poetas do Romantismo inglês da primeira metade do século 19. Em parte, esse movimento foi uma reação ao excessivo racionalismo do século 18, produto das descobertas científicas de Galileu, Newton e seus sucessores. Mas, até mesmo no caso de Wordsworth, é possível, após uma leitura mais liberal de sua obra e uma reflexão do papel do cientista, encontrar algo de comum a ambos: uma profunda apreciação pela natureza e por seus mistérios, que inspiram tanto o lirismo do poeta quanto os cálculos do cientista.

Certos poetas tornam-se vozes de uma visão de mundo alternativa, fundamentados na ciência de sua época. Como exemplo, penso no poeta romano Lucrécio, que viveu entre cerca de 96 a.C. e 55 a.C. Lucrécio parece ter sido vítima de doses excessivas de "poções amorosas", comuns na época, mas capazes de causar longos períodos de desequilíbrio mental. Os versos que compõem "Da Natureza das Coisas" foram escritos durante raros períodos de lucidez e mais tarde editados por outro grande escritor romano, Virgílio.

Em um mundo dominado por religiões politeístas baseadas em ritos pagãos, a voz de Lucrécio soa como uma proclamação contra o medo criado pela superstição e obediência cega à autoridade. O poeta convida seus leitores a olhar para o mundo e seus mistérios com a razão, que ele argumenta ser o único caminho para nossa liberação. Eis alguns exemplos, livremente parafraseados: "Quando a vida humana, arrastando-se pela Terra, era esmagada pela religião, constantemente ameaçando os mortais com todos os tipos de horrores vindos do céu, um homem grego pela primeira vez alçou bravamente seus olhos mortais contra essa ameaça... Sua força era a mente, que ele usou para explorar a vasta imensidão do espaço, trazendo-nos novas do que é e não é possível, limites e fronteiras forjadas para sempre. A religião, assim, foi controlada e, desde então, nós podemos alcançar as estrelas".

"Os terrores e as trevas que habitam nossas mentes devem ser dissipados, não pelos raios do Sol, mas pela compreensão da natureza por meio de um esquema de contemplação sistemática. Portanto, nosso ponto de partida deve ser o seguinte princípio: nada pode ser criado do nada, a partir do desejo dos deuses. Ah, mas os homens vivem assustados, pois não entendem as causas de tantos eventos no céu e na terra. Eles supõem que os deuses são a causa. Mas, quando aceitamos que nada vem do nada, podemos vislumbrar com mais clareza o que estamos procurando, a origem e as causas das coisas à nossa volta, sem clamar pelos deuses" (Livro 1).
Depois de 2.000 anos, os versos de Lucrécio ecoam com incrível modernidade. Na véspera de mais um milênio, quando muitos se sentem vulneráveis perante as várias profecias apocalípticas, sugiro uma nova leitura de Lucrécio, poeta da ciência e da lucidez apaixonada.

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