domingo, 3 de janeiro de 1999

Ciência e espiritualidade no final do milênio



Nesta era pré-terceiro milênio, em que tudo acontece e se transforma tão rápido, o apetite das pessoas por verdades duradouras vem se tornando insaciável. A disseminação de computadores e o fácil acesso aos meios de comunicação construiu de fato uma "aldeia global", onde a troca de informação entre culturas diferentes é mais fácil do que nunca.

Essa "overdose" de informação, ao mesmo tempo estimulante e assustadora, pode causar muita confusão. A tecnologia passa a ser percebida como um monstro de duas cabeças, ao mesmo tempo capaz de curas miraculosas e de armas de extermínio global. Daí surgem teorias sobre conspirações secretas (como no seriado de TV "Arquivo X"), suspeitas contra o governo (às vezes bem fundamentadas) e um sentimento de intolerância que ameaça polarizar a sociedade em níveis insustentáveis.

O resultado é uma sensação de pânico e fragilidade que, infelizmente, é explorada por oportunistas que se apresentam para as pessoas como a única alternativa em um "mundo louco". Inevitavelmente, isso vem acompanhado de um maior interesse por religiões e superstições da "nova era", na popularidade de falsos profetas e numa adversidade para a ciência e para o que ela tem a dizer sobre o mundo.

Sendo um cientista profundamente preocupado com questões espirituais, é muito importante para mim expor o que acredito ser o lado humano da ciência, na tentativa de oferecer aos leitores uma interpretação talvez bastante alternativa de seu papel na sociedade moderna.
A ciência nos aproxima da natureza e nos transporta a uma percepção do mundo que pode, com certa liberdade, ser chamada de profundamente espiritual. Einstein justificava sua devoção à ciência com o que ele definiu como o "sentimento religioso cósmico", associando ao estudo racional da natureza uma dimensão espiritual. Por que não?

A passagem para o próximo milênio serve de veículo para explorarmos essa complementaridade entre espiritualidade e ciência na vida moderna. De um lado, há as profecias sobre o fim do mundo. Do "Livro das Revelações" até Nostradamus, parece que não temos escapatória.

Não é à toa que as pessoas estão meio assustadas com a passagem do tempo, esquecendo, talvez, que essa contagem de tempo é arbitrária; fomos nós que inventamos a idéia de dividir o tempo em intervalos para organizar melhor nossas vidas e controlar nossos medos. O Universo está pouco ligando para como nós contamos o tempo.

Por outro lado, a mídia tem explorado outros tipos de apocalipse, não os vindos do "céu", mas dos céus. Sem dúvida, o perigo de uma colisão com um asteróide é real; muito provavelmente os dinossauros foram exterminados por uma colisão que ocorreu há 65 milhões de anos. E muitos devem se lembrar das dramáticas imagens fornecidas pelo telescópio espacial Hubble da colisão do cometa Shoemaker-Levy com Júpiter, em 1994.

Mas, se a ciência parece confirmar como uma possibilidade (bastante remota) o que já estava dito nas "Revelações", que "uma estrela cairá dos céus trazendo fogo e destruição", ela também nos oferece a chance de proteção contra tal calamidade. Devemos nos "aproximar" do cosmos, identificando asteróides com potencial de colisão com a Terra. Uma vez identificado um possível candidato, devemos destruí-lo ou desviá-lo da rota.

A história do Sistema Solar está cheia de colisões entre os vários planetas, cometas e asteróides. Essas colisões fazem parte de um processo cósmico de evolução, com inúmeras criações e destruições. Nós, habitantes de um planeta relativamente próximo do Sol, nos desenvolvemos a ponto de poder alterar, por meio de nosso conhecimento científico, parte dessa história. Com isso, nos tornamos parte ativa da história cósmica. Essa integração com o cosmos é, para mim, um belíssimo exemplo do valor espiritual da ciência.

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