domingo, 27 de dezembro de 1998

A física, o futebol e o anti-reducionismo

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

Uma questão que tem sido muito discutida, nem sempre amistosamente, entre cientistas, é a validade das leis fundamentais da natureza na descrição de fenômenos em escalas diferentes, do micro ao macro. Há dois pontos de vista principais; um, o reducionismo radical, afirma que, se entendermos o comportamento das menores entidades materiais do mundo, as partículas subatômicas, poderemos extrapolar esse conhecimento a outros níveis, dos átomos às estrelas. Ou seja, em sua versão mais radical, o reducionismo diz que o todo é a soma das partes -basta entendermos as leis fundamentais das interações entre as partículas para, nas palavras de Stephen Hawking, "compreendermos a mente de Deus".

Na prática, reducionistas sabem que é impossível fazer essa extrapolação -o estudo das interações entre os quarks e os elétrons não vai ajudar na compreensão do comportamento do átomo de urânio e muito menos na replicação de DNA. Para eles, a posição reducionista é filosófica, um manifesto do que acreditam ser o objetivo final da ciência, a descoberta das leis que regem o comportamento submicroscópico da matéria.

No outro campo, encontramos os críticos dessa posição, que, por falta de nome melhor, chamarei de anti-reducionistas. Um dos mais influentes é o físico Philip W. Anderson, dos EUA, vencedor do Prêmio Nobel e professor na Universidade de Princeton. Em um artigo escrito em 1972, Anderson afirmou que "mais é diferente", ou seja, que o comportamento de sistemas físicos com um número grande de elementos pode ser totalmente diferente daquele com poucos elementos; que novas leis podem ser necessárias para fenômenos com muitos elementos.

Ao aumentarmos o número de elementos em um sistema físico, aumentamos também as possibilidades de interação dos elementos entre si. Essas interações podem dar origem a comportamentos coletivos do sistema que não poderiam ter sido previstos analisando apenas as interações individuais dos elementos, ou seja, pelo reducionismo.

Vamos ao estádio do Morumbi num domingo assistir a um jogo Corinthians x São Paulo. Dezenas de milhares de pessoas, os elementos individuais, fazem parte de nosso "sistema físico", o público. Nosso objetivo é estudar o comportamento do público como um todo. Antes de os times entrarem em campo, o comportamento do sistema pode ser descrito aproximadamente por leis "locais", pelo comportamento de cada pessoa, ou grupo pequeno de pessoas; conversas entre vizinhos próximos, a compra de um cachorro-quente etc. Nesse caso, podemos descrever o comportamento do sistema por meio do método reducionista, já que não existem efeitos envolvendo vários elementos. O fenômeno coletivo "torcida" ainda não ocorreu.

Mas, quando os times entram em campo, o comportamento do sistema muda completamente; fogos de artifício, bandeiras multicoloridas e cantos das torcidas se misturam em uma grande confusão. Um observador conclui que a entrada dos times em campo é equivalente a uma grande perturbação energética no sistema. Após a excitação inicial, o observador percebe o aparecimento de movimentos coletivos, que envolvem um número muito grande de elementos. Movimentos caóticos, isto é, brigas, ou movimentos organizados, como a famosa "onda", uma perturbação coletiva que se propaga no sistema. O observador obtém novas leis para descrever o sistema, leis que explicam suas manifestações coletivas. Essas leis são "não-locais" e não-reducionistas. Uma nova "interação", chamada torcida, gera novos comportamentos coletivos.

Ambas as posições são importantes na descrição de fenômenos naturais. Tudo depende do foco das pesquisas. O debate surge quando defensores de uma posição criticam a outra. Aí o fenômeno "torcida" atua novamente, com todos os efeitos coletivos, às vezes mais agradáveis.

Um comentário:

  1. olá...
    obrigado por este comentario sobre este assunto
    estou lendo um livro:A Matematica e a Mona Lisa, e aborda este assunto, um pouco complicado mais graças a esse exemplo do futebol consegui interder um pouco.
    abraço

    ResponderExcluir