domingo, 20 de dezembro de 1998

El Niño, o regulador climático do planeta

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

Já que esta é a última coluna antes do Natal, quero manter a tradição iniciada no ano passado, escrevendo algo que esteja relacionado com presentes. Em particular, também como no ano passado, com os presentes que nós vamos deixar para as gerações futuras.

Muitos ouviram falar no fenômeno climático conhecido por "El Niño". O nome foi criado pelos pescadores da costa peruana para representar o aquecimento das águas do Pacífico que se dá periodicamente em torno do Natal. Em espanhol, "El Niño" se refere ao menino Jesus, uma outra razão para a presente escolha do tópico.

Hoje em dia, o termo se refere ao aquecimento em larga escala que ocorre em todo o Pacífico tropical aproximadamente a cada quatro anos, alternando-se com uma fase de resfriamento, conhecida como "La Niña". Essas oscilações de temperatura do Pacífico tropical têm um impacto global no clima do planeta: O El Niño pode causar tanto tempestades e enchentes no Equador ou nos EUA quanto secas na Indonésia ou na Amazônia.

Nas últimas duas décadas, cientistas, estudando as variações climáticas do planeta, descobriram que o fenômeno El Niño não ocorre sozinho; as variações de temperatura no Pacífico estão acopladas a variações de pressão atmosférica, conhecidas como "oscilações sulinas".
Essas oscilações foram descobertas em 1923 pelo climatologista britânico Gilbert Walker, que estava tentando entender por que a estação chuvosa conhecida como monção deixa de ocorrer na Índia em certos anos. Walker mostrou que existiam padrões irregulares de oscilação da pressão sobre o Pacífico que se propagavam de leste a oeste. Essa é a direção oposta do aquecimento das águas oceânicas que ocorre durante o El Niño.

O aquecimento das águas que afeta os pescadores peruanos está ligado com a estação chuvosa na Índia e no Sudeste Asiático por meio da interação entre a dinâmica dos oceanos e da atmosfera. Esse acoplamento dos oceanos com a atmosfera é um exemplo perfeito de como certos problemas científicos requerem um tratamento que envolve vários componentes ao mesmo tempo.

Para que possamos entender as variações climáticas que afetam um determinado local, como a Amazônia, não basta estudarmos apenas aquela região isoladamente. Precisamos estudar como o contexto climático global pode afetar um determinado local. Em estudos climáticos, como talvez em nenhum outro estudo, a Terra aparece como uma entidade única, em que efeitos locais podem influenciar o comportamento global e vice-versa.

O fenômeno acoplado do El Niño com a Oscilação Sulina ocorre, historicamente, com uma frequência média de quatro anos. Portanto, nos últimos 12 ou 13 anos, em média, o fenômeno deve ter ocorrido em torno de três vezes. No entanto, ele ocorreu seis vezes desde 1984, o dobro do número esperado. Mais ainda, sua última ocorrência foi a mais dramática: enquanto normalmente a variação de temperatura é de 1C ou de 1,5 C, no ciclo de 97 a 98 a temperatura subiu 4C acima da média!

Não é à toa que todos dizem que o clima tem andado meio louco. O inverno passado foi extremamente ameno no Hemisfério Norte e, ao que tudo indica, o mesmo acontecerá este ano (a temperatura em New Hampshire, o Estado americano em que eu moro, tem estado 20C acima da média!). O que está havendo?

Os modelos climáticos indicam que o culpado por essas oscilações é o efeito estufa. Eu digo "indicam" porque nem todos os cientistas concordam com essas conclusões. As incertezas vêm das limitações dos computadores em realmente simular o clima da Terra em detalhe. De qualquer forma, os dados climáticos não mentem e estão diretamente acoplados com a quantidade de gases poluentes na atmosfera. Acho que neste Natal devemos mais uma vez refletir sobre o presente que estamos deixando para nossos filhos.

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