domingo, 6 de dezembro de 1998

O computador como laboratório, na teoria e na prática

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

Em linhas gerais, podemos dividir os cientistas, especialmente aqueles dedicados às ciências físicas, em dois grandes grupos, os teóricos e os experimentais. Os teóricos são aqueles que se dedicam principalmente ao desenvolvimento de modelos e explicações matemáticas de fenômenos observados tanto no laboratório como fora dele. Em muitos casos, a linha divisória entre o que chamamos de ciência teórica ou experimental não é muito óbvia.

Por exemplo, alguns teóricos trabalhando em simulações numéricas em computadores crêem estar desenvolvendo "experimentos". Na maioria dos casos, esses experimentos numéricos não são vistos como experimentos "de verdade", especialmente por cientistas que realizam seus experimentos com equipamentos envolvendo tubos, eletrônica, refrigeração etc.
Até que ponto podemos fornecer dados para uma máquina de modo que ela possa simular situações que ocorrem na natureza, ou melhor ainda, capacitar a descoberta de novos fenômenos? Se perguntássemos a um cientista dos anos 40 se algum dia máquinas baseadas em cristais de germânio e silício e eletricidade poderiam servir de laboratório de pesquisas, ele ou ela certamente cairia na gargalhada: "Só em ficção científica!".

Mas, nos últimos 20 anos, poderosas estações de trabalho capazes de realizar milhões de operações por segundo tornaram ficção científica em realidade. No mundo inteiro, computadores são usados para simular, ou recriar, situações experimentais, permitindo uma análise muitas vezes bem mais simples do que no laboratório. O ambiente experimental criado pelo computador tem a grande vantagem de ser "limpo", ou seja, de ser controlado inteiramente pela pessoa que escreveu o programa. Não existem contaminações externas devido a vazamentos em tubulações, controle de temperatura limitado ou mau alinhamento de lasers. Mas, por outro lado, o computador só pode "criar" o que já está de certa forma incluído no programa.

Em 1994, eu estava interessado em estudar a longevidade das chamadas "bolhas subcríticas", pequenas concentrações de matéria que aparecem, por exemplo, quando um sistema físico muda de uma fase para outra, como água em sua fase gasosa se transformando em água em sua fase líquida devido a uma queda de temperatura. A "bolha", no caso, seria a gota de água líquida, formada no interior da fase gasosa. "Subcrítica" refere-se ao fato de que apenas bolhas acima de um certo tamanho crescem; as bolhas menores, subcríticas, desaparecem após certo tempo. A questão é quanto tempo.

Resolvi então escrever um programa para estudar a longevidade das bolhas subcríticas. Para minha surpresa, várias dessas bolhas sobreviviam por um período extremamente longo, muito mais longo do que qualquer um poderia esperar. Essas pequenas concentrações de matéria oscilam internamente, usando suas interações em uma luta furiosa pela sobrevivência. Batizei essas bolhas de "oscilons", devido a essa oscilação que lhes é peculiar. Dois anos mais tarde, pesquisadores da Universidade do Texas, em Austin, estavam estudando as propriedades de grãos que são submetidos a vibrações regulares. Eles descobriram certos padrões de oscilação localizados que também chamaram de oscilons! Os oscilons que foram simulados no computador e os oscilons que foram criados no laboratório exibem propriedades semelhantes, indicando que a física que está por trás de ambos os fenômenos é talvez a mesma (se bem que os detalhes dessa ligação ainda estão em aberto).

De certa forma, os oscilons já estavam dentro de meu programa, mesmo que eu não os houvesse "visto". O computador me permitiu descobrir algo que surpreendeu a mim e a meus colegas. Apesar disso, uma "descoberta" feita com computadores não é plenamente aceita pela comunidade científica até que ela seja comprovada por experimentos "de verdade", realizados no laboratório. Pelo menos por enquanto, o computador sugere, mas não confirma.

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