domingo, 21 de novembro de 1999

O paradoxo da unificação


O avanço da maioria das ciências depende da eficiência com que generalizações são feitas; dada uma grande variedade de fenômenos, é sempre muito mais atraente tentar explicá-los a partir de uma ou poucas idéias do que ter uma idéia para cada. Em física, nós usamos a mesma equação matemática para descrever vários fenômenos diferentes. É o caso das leis de movimento de Isaac Newton, que podem ser aplicadas na descrição de qualquer movimento que ocorra na natureza, contanto que: 1) ele não seja muito rápido quando comparado à velocidade da luz, de 300 mil quilômetros por segundo; 2) ele não seja o movimento de objetos muito pequenos, na escala molecular ou menor (atômica, nuclear etc.); 3) ele não esteja em uma região com fortes forças gravitacionais, como muito perto do Sol ou de um buraco negro. Ou seja, movimentos na escala "humana" são devidamente descritos pelas leis de Newton.

Quando tentamos descrever o mundo à nossa volta, temos de usar aproximações. Segundo Newton, o mundo pode ser descrito a partir de partículas (ou objetos) interagindo por meio de certas forças. O Sol atrai a Terra devido a sua gravidade (e a Terra atrai o Sol de volta; é a terceira lei de Newton); uma carga elétrica atrai outra de carga oposta ou repele sua irmã de mesma carga. A ação dessas forças nas partículas faz com que elas se movam em movimentos acelerados. Essa mesma descrição é usada em escalas bem menores, onde há outras forças, que só atuam em distâncias nucleares: as forças nucleares forte e fraca. Portanto, usando essa descrição do mundo a partir de partículas e forças, chegamos a uma realidade em que fenômenos podem, ultimamente, ser descritos por essas quatro forças atuando sobre partículas. Esse é o mundo de acordo com o método reducionista, que foi e é eficiente na nossa descrição da natureza e de suas complexidades.

O clímax do reducionismo seria chegar a uma descrição do mundo usando apenas uma força atuando nos blocos fundamentais da matéria: Essa força unificaria a ação de todas as outras quatro forças, e toda a matéria poderia ser reconstruída a partir desses blocos fundamentais. Essa teoria unificada é às vezes chamada de "teoria de tudo", um nome que, acredito, é extremamente infeliz. Sem dúvida, a evolução da física se deu, em grande parte, devido ao nosso esforço em unificar conceitos e idéias, em procurar os aspectos mais fundamentais da realidade, que se escondem por trás de uma aparente complexidade; a natureza, em muitos casos, revela uma simplicidade belíssima, que nós, a partir de nossas leis, conseguimos às vezes descrever.

Mas o sucesso pode criar vícios. Nas últimas décadas, apesar de todos os esforços por uma teoria de unificação, a física está cada vez mais fragmentada: para a maioria dos físicos, chegar ou não a uma teoria que descreva as quatro interações como apenas uma, a energias zilhões de vezes maiores que as do nosso dia-a-dia (em torno de 10 bilhões de bilhões de vezes maiores do que as energias que ligam um elétron a um próton para formar um átomo de hidrogênio), é irrelevante; essa teoria unificada não os ajudará a compreender melhor os processos térmicos que ocorrem em seus cristais ou no interior de Júpiter, ou como funciona a memória.

Aparentemente, há uma divisão "social" entre os físicos e outros cientistas com relação a essas questões. Em defesa da busca pela unificação, deve ser dito que é provável que, caso um dia tenhamos tal teoria, ela irá nos revelar aspectos profundos da natureza, impossíveis de prever. Essa é uma lição da história que não devemos esquecer. Por outro lado, deve-se também dizer que há problemas fundamentais na ciência que são independentes de uma teoria da unificação e, mais importante, igualmente relevantes. É na complementariedade das linhas de pesquisa que está a força da ciência, e não na competição por relevância.

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