domingo, 6 de fevereiro de 2000

A escura e estranha matéria do Universo

Do nosso ponto de vista terrestre, humilde e limitado, o Universo é simples, alguns milhares de estrelas que vemos em noites bem claras, um planeta ou outro, às vezes um cometa ou estrela cadente. Mas claro, o que nós vemos a olho nu é pouco, muito pouco do que realmente está lá fora. Daí que inventamos novos "olhos", instrumentos capazes de ver além do curto alcance da nossa visão ou mesmo capazes de medir radiações invisíveis aos olhos, como os raios X, ultravioleta, infravermelho e ondas de rádio.

A imagem que emerge da combinação de todas essas observações é a de um Universo de dimensões absolutamente inconcebíveis, de um Universo dinâmico, em expansão, povoado por inúmeros objetos também sempre em transformação. O astrônomo extragalático, ou seja, que faz observações além da nossa galáxia, tem, hoje, dois grandes desafios: estudar como as galáxias estão distribuídas no cosmos e qual a sua composição material. Aparentemente, as respostas mais óbvias a essas duas perguntas estão longe de corresponder à realidade: a composição material das galáxias não se limita a estrelas e nuvens de gás interestelar, mas é dominada por um outro tipo de matéria, a chamada matéria escura, que não emite luz por si própria. Observações indicam que mais de 90% da massa total de uma galáxia não está em estrelas ou gases, mas nessa matéria escura, cuja composição permanece até hoje misteriosa. Assim, surge uma questão: qual é a distribuição dessa matéria escura nas galáxias? Ela está concentrada no centro, espalhada junto com a matéria visível (estrelas etc.), ou se alastrando além das estrelas?

E a distribuição das galáxias no Universo? A expectativa seria que as galáxias fossem como grãos de areia espalhados aleatoriamente sobre uma mesa, sem uma geometria especial. Mas o que vemos é o oposto, um Universo filamentoso, onde vastas estruturas materiais, contendo milhares de galáxias, criam uma espécie de rede luminosa, cercando volumes onde praticamente não encontramos nada; um Universo com uma geometria semelhante ao que vemos em espumas de sabão em banhos de banheira.
A grande força escultora dessa obra cósmica é a gravidade. E, segundo as observações mais recentes, esses dois aspectos do Universo, sua composição material e sua estrutura geométrica, estão profundamente interligados. Vários astrônomos acreditavam que havia dois "tipos" de matéria escura: uma que atuava em cada galáxia e outra que se espalhava pelo Universo afora. Mas até que ponto a matéria escura se alastra além do que observamos no visível? A imagem é um pouco como uma ilha no oceano: nós vemos a ilha, mas sabemos que ela se estende além de sua parte visível, até "desaparecer" no fundo do oceano. A questão é até onde a ilha se estende.

Como medir algo invisível? O único jeito é explorar o efeito gravitacional da matéria escura. Isso está sendo feito agora por dois grupos que exploram métodos diferentes. Ambos usam o fato de que galáxias podem funcionar como lentes, distorcendo a luz que vem de galáxias mais distantes. Sabemos que, ao colocar uma lente de aumento entre nosso olho e um objeto, alteramos a imagem do objeto. Essa alteração ocorre de dois modos, deformando a imagem e amplificando (ou suprimindo) sua luminosidade. Essas são as técnicas de cada grupo: um estuda a alteração na imagem de galáxias distantes devido a galáxias mais próximas, enquanto o outro estuda as mudanças no seu brilho.

Ambos os grupos argumentam que o véu escuro das galáxias se estende muito além de sua parte visível. Um afirma que ele se estende no mínimo por 1,5 milhões de anos-luz, enquanto o outro diz que essa distância pode chegar a 15 milhões de anos-luz. A Via Láctea tem diâmetro de 100 mil anos-luz e Andrômeda, nossa galáxia vizinha, está a 2 milhões de anos-luz. Ou seja, se essas observações forem confirmadas, podemos visualizar o Universo como um vasto oceano de matéria escura, com as galáxias sendo pequenos recifes feitos de estrelas.

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