domingo, 19 de março de 2000

Matéria às escuras

Copérnico, ao proclamar que o Sol era o centro do cosmos, e não a Terra, desferiu um duro golpe em nossa dignidade. Afinal, fomos rebaixados do centro para a periferia, dividida com um bando de outros planetas. De reis passamos a ser corte, fadada a rodear o "astro-rei" por toda a eternidade, ou pelo menos por um bom tempo. Claro, a idéia não foi de Copérnico, mas de um astrônomo grego do século 3 a.C., o grande Aristarco de Samos. Mas a redescoberta de Copérnico foi apenas o início. Logo, descobrimos que o Sol é uma mera estrela, como bilhões de outras na Via Láctea, nossa galáxia. Mas pelo menos nossa galáxia era especial, a única no cosmos, uma ilha de estrelas cercada de imensidão por todos os lados.

Mas nem esse tênue resquício de dignidade durou muito. Em 1924, o astrônomo americano Edwin Hubble provou que a Via Láctea é apenas um dos bilhões de "universos-ilha", isto é, outras galáxias, que existem no Universo. Fora o fato de nós estarmos aqui, nossa galáxia não tem nada de muito especial. Ao menos, nos resta o consolo de que somos parte do Universo, dividindo com ele sua composição material. Nós somos, como dizem os poetas astrofísicos, poeira das estrelas, feitos dos mesmos prótons, nêutrons e elétrons que o Sol e seus primos. Isso está garantido. Poetas e cientistas, ou poetas-cientistas, podem ficar sossegados. Só que a matéria da qual somos compostos é praticamente insignificante quando comparada com o material que realmente domina a dinâmica cósmica. Ou seja, somos poeirinha cósmica.

Eu explico. Nos anos 30, Fritz Zwicky, um grande iconoclasta da astronomia, descobriu que as velocidades das galáxias quando em grupos era muito maior do que a resultante da força gravitacional que elas exercem entre si. Zwicky argumentou que em torno de 90% da massa no "aglomerado" era invisível, isto é, algo que não gera sua própria luz. Várias soluções foram propostas para explicar essa "matéria escura": nuvens de gás interestelar, estrelas que não têm massa suficiente para iniciar o processo de fusão, planetas como Júpiter etc. Na última década, ficou claro que todas essas "soluções" não contribuem em quantidade suficiente para a matéria escura. Na verdade, a coisa é bem mais exótica: aparentemente, a matéria escura não é o que nós chamamos de matéria, isto é, prótons, nêutrons ou elétrons. A matéria normal constitui apenas cerca de 10% a 30% da matéria cósmica. E o resto?

Claro, se o assunto é a composição material do cosmos, o macro se mistura com o micro; físicos de partículas examinam a possibilidade de que esse outro tipo de matéria seja composto pelas chamadas partículas supersimétricas, pares das partículas normais de matéria. Segundo essa teoria, cada partícula de matéria tem sua parceria supersimétrica: o elétron tem o selétron, o quark tem o squark, o fóton tem o fotino etc. Ainda não as descobrimos porque elas interagem tão fracamente com a matéria ordinária que passam completamente despercebidas, ou quase.

Aproximadamente 10 trilhões dessas partículas passam por um quilograma de matéria por segundo! Não adianta querer escapar, pois elas vêm de todos os lados. Mas nem todas as partículas supersimétricas são estáveis; apenas a mais leve delas sobrevive. As outras se desintegram em partículas mais leves, até chegar na peso-pena. É essa que se transformou na menina dos olhos dos caçadores de matéria escura.

Um grupo de físicos italianos e chineses, em um laboratório sob a montanha Gran Sasso, na Itália, declarou em fevereiro ter detectado sinais dessa partícula: seus detectores acusaram colisões entre as superpartículas e núcleos atômicos. Já outro grupo em Berkeley não viu nenhuma colisão em seus detectores, questionando o resultado italiano.

Durante essa década, detectores mais sensíveis irão decidir a questão. No meio tempo, temos de ficar às escuras, juntamente com a maior parte do Universo.

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