domingo, 12 de março de 2000

Perguntar é preciso

Existem três questões abertas em ciência que dividem uma temática única: a questão das origens. Eu costumo chamar essas questões de "o problema das três origens": a origem do Universo, a origem da vida e a origem da mente. Leitores mais fiéis desta coluna certamente já se depararam com textos que discutem os desafios e progressos relacionados a essas questões. O que as torna tão fascinantes é que elas não são apenas de interesse científico, mas questões que volta e meia qualquer um se pergunta. Aliás, essa é a razão pela qual elas são tão interessantes para os cientistas: de certa forma, o questionamento sobre nossas origens é o que define a humanidade, é o que nos permite conviver com o fato que pensamos, existimos e morremos.

Não é à toa que as primeiras respostas às três perguntas foram criadas pelas várias religiões que pontuam nossa história. As respostas têm a dupla função de nos trazer a paz de espírito, para que possamos aceitar nossas limitações perante o acaso, ou aquilo que não podemos controlar -uma morte súbita, uma tempestade cataclísmica -, e nos permitir funcionar moralmente em uma sociedade em que todos dividem ao menos parte de uma história: seu início.

As narrativas das várias religiões para as três perguntas criam uma cultura em comum, que funciona como um indicador do grupo; outros grupos têm outras histórias, outras culturas, outras origens. Infelizmente, essas disparidades em geral geram intolerância e desrespeito. Muitas das guerras religiosas que tingem de sangue a história da humanidade foram disputas de origens, de uma origem mais "nobre" (para os membros daquela cultura, claro) ou de um "direito" divino sobre a hegemonia de uma história. Em geral, os deuses não aparecem nas batalhas para defender seus defensores, se bem que, às vezes, eles "mandam" sinais cósmicos: eclipses, arco-íris, cometas etc.

No século 17, a ciência entra e começa a se perguntar as mesmas questões "sacras". Qual a origem do Universo? Será que podemos, pela razão, compreender a origem de "tudo"? E a origem da vida? Será que ela foi um acaso bioquímico, um acidente local em um insignificante planeta orbitando uma estrela em uma galáxia comum, ou será que a vida tem um "plano", se estendendo pelo Universo afora com o objetivo de povoá-lo como um vírus povoa o corpo de um doente? Ou será que ela existe, mas sem plano nenhum? E a mente? Como é possível que processos bioeletroquímicos no cérebro possam gerar nossa consciência, nosso senso de saber que existimos? Ou será que a mente é algo diferente, que necessita de uma ciência que não podemos ainda nem contemplar? Como dizia o grande escritor de ficção científica Arthur C. Clarke, a tecnologia do futuro longínquo aparecerá sempre como mágica no presente. Exemplo: Galileu "surfando" na Internet, imagine que absurdo para uma mente do século 17 (mas talvez não para Galileu).

Passados quase 400 anos desde que Galileu apontou um telescópio para a Lua, as três questões estão completamente integradas dentro da pesquisa científica. Respostas ainda não temos, alguns acham que jamais as teremos. Mas tentar sem dúvida devemos, e dessas tentativas descobertas maravilhosas têm sido feitas sobre o Universo, sobre a base biológica da vida e sobre a estrutura neurológica do cérebro. O Universo está em expansão, bilhões de galáxias com bilhões de estrelas cada, muitas cercadas de pequenos mundos como o nosso; a multiplicidade biológica da vida tem uma base genética comum, que está sendo mapeada em detalhe, abrindo possibilidades fantásticas e aterrorizantes; as complexas atividades do cérebro são compostas de bandos de neurônios que, individualmente ou em grupo, trabalham para construir nosso senso de realidade. Tudo isso, e o que nem podemos ainda imaginar, devido às perguntas que fazemos.

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