domingo, 30 de abril de 2000

A defesa que ataca

Há 55 anos, a primeira bomba atômica foi detonada no deserto de Álamo Gordo, no Estado norte-americano do Novo México. Esse evento causou uma profunda transformação na psique humana e em nossa história coletiva: criamos uma guerra sem vencedores, sendo capazes de nos destruir por completo. Nos alçamos ao nível dos piores deuses, aqueles que destroem cegamente, por capricho mais do que por razão.

Qualquer guerra é, por definição, absurda. Me questiono, de vez em quando, como a mesma espécie animal que é capaz de pôr um homem na Lua e de criar sinfonias e poemas belíssimos não consegue deixar de se matar, ou de planejar meios mais eficientes para se aniquilar.
Desculpem-me o tom pessimista, mas negar essa problemática apenas ajuda a mantê-la viva.
Quando Ronald Reagan era presidente dos EUA, um grupo de cientistas liderado por Edward Teller, o "pai" da bomba de hidrogênio americana, apresentou um projeto de defesa espacial antimísseis, a chamada Iniciativa Estratégica de Defesa (IED, do inglês SDI). O projeto rapidamente ganhou o apelido de "Guerra nas Estrelas": a idéia era ter plataformas flutuando em órbita terrestre, como as naves-mães dos filmes do George Lucas, que identificariam mísseis inimigos e os destruiriam por meio de canhões de raios laser de altíssima potência. A comunidade científica imediatamente reagiu, dizendo que o projeto era tecnicamente inviável.

Mas em política, uma vez que um projeto extremamente caro mostra a possibilidade de gerar inúmeros empregos para as comunidades dos membros do Congresso e Senado, ele se transforma em uma bola de neve, em que a politicagem aumenta na proporção inversa do conteúdo científico. O governo ignorou as críticas dos cientistas e manteve o projeto vivo. Até hoje! Este ano, o Congresso Norte-Americano aprovou uma verba de US$ 6,6 bilhões para a IED, em um total acumulado de US$ 60 bilhões desde o início dos anos 80.

Por que escrevo sobre essa problemática, que parece à primeira vista tão distante da nossa realidade econômica? Porque ela não está tão distante assim. E por várias razões.
Uma vez, um amigo meu disse que é necessário o mundo inteiro para sustentar uma nação como os EUA. Nós pagamos parte dessa conta, com certeza. Fora isso, a proposta americana de criar novas tecnologias bélicas ameaça o frágil processo de desarmamento nuclear, irritando a Rússia e a China.

A situação tornou-se ainda mais tensa recentemente, com mais uma proposta de uma tecnologia de "defesa" contra ataques de mísseis de nações hostis aos EUA, conhecida como Sistema Nacional de Defesa Contra Mísseis (SNDM). A idéia é menos ambiciosa do que a da "Guerra nas Estrelas": satélites em órbita e radares em terra com detectores de radiação infravermelha (calor) localizam um míssil que voa em direção aos EUA. Imediatamente, veículos destruidores (outros mísseis) perseguem o atacante, destruindo-o em uma colisão. Parece simples, não? O leitor deve se recordar dos mísseis tipo "Cruise" que os EUA usaram na Guerra do Golfo, que também tentaram interceptar mísseis iraquianos, com uma margem ridícula de sucesso. Mas agora, dizem os proponentes do SNDM, a tecnologia avançou e será possível construir tal proteção. Por mais algumas dezenas de bilhões de dólares nos próximos dez anos, é claro.

O problema, como já argumentaram vários cientistas, é que o SNDM não funciona. Existem duas armas que podem ser transportadas pelos mísseis intercontinentais: biológicas/químicas e nucleares. No caso das biológicas ou químicas, é muito mais eficaz fazer o míssil original distribuir centenas de "submunições", pequenas bombas que espalhariam os agentes químicos e biológicos pela atmosfera. Nesse caso, seria impossível para os mísseis do SNDM destruir todos esses "esporos do mal". No caso nuclear, o míssil original poderia soltar dezenas de balões de alta altitude, com apenas um deles contendo a bomba nuclear. Mais uma vez, essa contramedida neutralizaria a eficiência do sistema de defesa. Mais dinheiro seria gasto inutilmente, mais antagonismo criado contra a Rússia e China e maiores as consequências políticas e econômicas para o resto do mundo.

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