domingo, 15 de setembro de 2002

O grande dilema de Einstein


Marcelo Gleiser
especial para a Folha


Em 1916, após quase dez anos de trabalho (não exclusivo), Einstein concluiu a Teoria da Relatividade Geral, na qual mostra que a atração gravitacional entre dois corpos pode ser interpretada como causada pela curvatura do espaço em torno deles: quanto maior a massa, maior a curvatura do espaço criada.

Como a Teoria Geral inclui a Teoria Especial de 1905, não só a massa pode encurvar o espaço, mas também a energia. Afinal, existe uma relação profunda entre massa e energia, conforme expressa a equação E=mc2.

Empolgado com a sua belíssima teoria, Einstein deu um passo ambicioso: já que a curvatura do espaço é ditada pela presença de massa e energia, se fosse possível estimar a massa-energia do Universo inteiro, a teoria poderia ser usada para determinar a geometria do cosmo.
Imagine só, determinar a forma do Universo usando apenas papel, lápis e as equações da Relatividade Geral. Sem dúvida, um dos grandes triunfos da razão humana. Em 1917, Einstein propõe a sua solução para a geometria cósmica, inaugurando a era da cosmologia moderna.
Segundo Einstein, o Universo deve ser estático, ou seja, o mesmo no passado e no futuro. Essa hipótese não era completamente aleatória: na época, não havia razão maior para crer em um Universo dinâmico, que muda no tempo.

Apenas algumas observações astronômicas, ainda não muito confiáveis, mostravam um afastamento das nebulosas distantes. Vale lembrar que somente em 1924, após o trabalho do astrônomo americano Edwin Hubble, ficou claro que o Universo está cheio de galáxias como a Via Láctea. Antes disso, com telescópios pouco potentes e precisos, achava-se que o Universo fosse a Via Láctea.

Fora um cosmo estático, ecoando Platão, Einstein acreditava que ele deveria ser o mais simétrico possível, no caso, com a geometria de uma esfera. Existe mesmo uma elegante propriedade em um Universo esférico: ele é finito, já que qualquer circunavegação acaba por voltar ao seu ponto de saída.

Por outro lado, como o leitor pode visualizar no caso de uma esfera em duas dimensões (a superfície de uma bola), uma esfera não tem fronteiras, já que qualquer ponto em sua superfície é perfeitamente equivalente a qualquer outro. Portanto, Einstein propôs um Universo estático e esférico, finito e sem fronteiras, onde todos os pontos são equivalentes.
Como calcular as suas propriedades? Se o cosmo é esférico, as coisas ficam muito mais fáceis. Para caracterizar uma esfera precisamos apenas saber o raio, um número. Segundo as equações da Relatividade Geral, esse número, que determina a geometria cósmica, deve ser fixado pela matéria existente no Universo.

Para reduzir a distribuição de matéria a apenas um número, Einstein propôs o Princípio Cosmológico, segundo o qual o Universo, quando visto a grandes distâncias, é, em média, idêntico. Claro, se olharmos para o céu estrelado, ele não tem nada de idêntico. Mas a idéia é olhar a distâncias realmente enormes, de milhões de anos-luz (a Via Láctea tem um diâmetro de 100 mil anos-luz).

Restava resolver as equações e determinar o raio do Universo como função da quantidade de matéria. Mas aqui surgiu um problema; a gravidade, sendo atrativa, resulta em um Universo instável. Não era possível obter um Universo estático, esférico e com uma distribuição média constante de matéria-energia.

Einstein propôs uma saída: adicionar um novo termo às equações, conhecido hoje como "constante cosmológica". Esse termo funciona como uma força repulsiva, equilibrando o universo de Einstein. Em 1917, ele escreveu para Willem de Sitter: "A teoria da relatividade permite a introdução desse termo. Um dia, nosso conhecimento do céu irá nos ajudar a determinar empiricamente se o termo existe ou não. Convicção é um bom motivo, mas um péssimo juiz".

Em 1931, com a confirmação da expansão do Universo por Hubble, Einstein abandona a constante cosmológica. Mas volta e meia ela reaparece, como é o caso agora. Ainda estamos à espera dessa determinação empírica.

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