domingo, 19 de janeiro de 2003

As inconstantes constantes da natureza

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A descrição dos fenômenos naturais, ao menos daqueles que fazem parte da física, depende de um punhado de números, chamados constantes fundamentais da natureza. Por exemplo, a força gravitacional, que descreve a atração entre corpos maciços como o Sol e a Terra ou o leitor e a Terra, depende da constante de Newton, cujo valor determina o teor (bastante fraco) da força gravitacional. Já a atração entre um elétron e um próton no núcleo atômico depende de uma outra constante, a carga elétrica do elétron. Cada uma das quatro forças fundamentais da natureza -gravitacional, eletromagnética, e as forças nucleares forte e fraca- tem a sua constante.
Essas constantes, e outras extremamente importantes, como a velocidade da luz no vácuo ou a constante de Planck -que determina as trocas de energia em processos atômicos-, são, como já diz o nome, supostamente constantes: seus valores independem do tempo e do espaço, sendo os mesmos em qualquer lugar do Universo ou em qualquer momento.

Ao menos esse é o arcabouço tradicional da física. Na verdade, a situação é um pouco mais sutil. As constantes que mencionei acima têm unidades físicas, que, em geral, dependem de medidas de distância, tempo e massa. (Para quem lembra, temos sempre de especificar se trabalhamos, por exemplo, no sistema MKS -metro, quilograma, segundo; ou CGS- centímetro, grama, segundo.)

Sem querer complicar muito as coisas (mas complicando um pouco), existem dois tipos de constantes fundamentais: as discutidas acima, que têm unidades físicas (como a velocidade da luz, de aproximadamente 300 mil km/ s), e as constantes construídas de modo a não ter unidades físicas, obtidas dividindo e multiplicando constantes com unidades. A mais famosa dessas constantes é a "constante de estrutura fina", obtida a partir de uma combinação da carga do elétron, da velocidade da luz, e da constante de Planck. O valor é, hoje, 1/137.
Existem duas grandes questões sobre essas constantes da natureza. A primeira, claro, é se é possível entendermos a origem de seus valores. Ou seja, por que a velocidade da luz ou a carga do elétron têm o valor que têm? Em princípio, gostaríamos de poder calcular esses valores a partir de uma teoria mais fundamental, em vez de simplesmente usarmos os valores medidos no laboratório. Caso isso venha a ser possível, estaremos obtendo uma visão muito mais profunda da natureza, o sonho de qualquer cientista.

A outra grande questão concerne à constância dessas constantes. Será que elas são mesmo constantes no espaço e no tempo? Por exemplo, será que a carga do elétron ou a velocidade da luz podem ser diferentes em outras partes ou épocas do Universo? Afinal, só sabemos aquilo que medimos, e o que pode parecer constante aqui e agora pode não ser em outros lugares ou eras. Essa possibilidade é bem interessante para os físicos teóricos. Isso porque uma variação temporal em algumas das constantes representa uma janela para uma nova física, muito possivelmente ligada com a resposta à primeira grande questão, a origem dos valores dessas constantes. E física, como qualquer outra ciência, é essencialmente sobre abrir novas janelas para o mundo.

Existem inúmeras teorias que prevêem variações temporais das constantes fundamentais (variações espaciais são, em geral, vetadas). Entre elas, existem teorias de unificação das forças, que visam descrever as quatro forças da natureza mencionadas acima como oriundas de uma força só. As mais promissoras são teorias que supõem que o espaço tem mais de três dimensões (altura, largura, profundidade). Recentemente, astrônomos mediram uma pequena variação temporal na velocidade da luz: o comportamento de átomos durante a infância do Universo, há aproximadamente 10 bilhões de anos, parece indicar que era menor no passado. Caso essa observação seja confirmada, o que deve ser feito com muito cuidado, abre-se uma janela para uma nova física. Talvez apontando para um cosmo com mais de três dimensões, talvez não. O novo nem sempre é previsível. Mas é sempre fascinante.

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