domingo, 5 de janeiro de 2003

A realidade e o quantum

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Segundo o dicionário, realismo é a doutrina filosófica de acordo com a qual objetos materiais existem por si mesmos, independentemente da mente ter consciência deles. Já o oposto, o idealismo, supõe que as coisas existem apenas como idéias na mente.

Eis um exemplo bastante conhecido, que ilustra bem os dois pontos de vista. Imagine que atrás da sua casa exista um bosque, cheio de árvores. Você sabe que o bosque existe porque você passeia frequentemente por lá. Segundo a posição realista, esse bosque existe mesmo se você ou outra pessoa nunca o tenha visto.

Ele é tão real para os mosquitos e as borboletas voando lá quanto para você. Já o idealismo diria que o bosque só existe na sua cabeça, pois a mente fabrica a nossa percepção do real através de sinais sensoriais processados no cérebro.

Se um belo dia uma das árvores do bosque cair, os realistas diriam que ela caiu, mesmo se ninguém a visse caída, enquanto os idealistas só admitiriam que ela caiu caso eles a tenham visto no chão, ou a ouvido caindo. Os idealistas mais radicais diriam ainda que a árvore só caiu dentro da sua cabeça, pois foi a sua mente que construiu o evento.

Essas duas correntes filosóficas estão muito ligadas com a interpretação do mundo segundo a física. A física clássica, que descreve a realidade em que vivemos o dia-a-dia, toma uma posição realista; o mundo esteve aqui bem antes de existirem pessoas com consciência disso.

Afinal, se o Universo existe há 14 bilhões de anos, a Terra há 4,6 bilhões e o Homo sapiens há menos de 200 mil, claramente a realidade é mais velha do que nós. Em outras palavras, a realidade existe independentemente da presença de um observador consciente para medi-la.
O mundo está aí, pronto para ser medido e observado por nós, ou por qualquer outra inteligência interessada em uma descrição quantitativa da natureza. No entanto, a confirmação final do que existe depende da observação; só sabemos o que existe no mundo se observarmos o mundo. Segundo a física clássica, o ato de observação não interfere com o observado; existe uma separação explícita entre observador e observado.

Duas pessoas, observando o mesmo fenômeno, com os mesmos instrumentos, obterão resultados idênticos. Aliás, é justamente isso o que garante a relatividade de Einstein: que dois observadores em movimento com velocidades (e acelerações) diferentes poderão comparar sem problemas as suas medidas.

Essa posição realista foi profundamente revisada com o advento da mecânica quântica durante as três primeiras décadas do século 20. No mundo do quantum, o mundo dos átomos e das partículas subatômicas, o que é ou não real deixa de ser tão óbvio. De fato, os próprios pioneiros da mecânica quântica, de Planck e Einstein à Bohr, Schrödinger e Heisenberg, debateram as implicações da nova teoria para a nossa compreensão do real sem chegarem a um consenso.

A teoria quântica abandona certas premissas básicas da física clássica como, por exemplo, o conceito de trajetória; um elétron viajando pelo espaço não percorre mais um caminho bem definido entre o seu ponto de partida e o de chegada; podemos apenas dizer qual a probabilidade dele tomar um dado caminho. No mundo quântico, a noção de caminho torna-se difusa, junto com a própria existência: afinal, se não podemos dizer por onde o elétron passou para ir de um ponto a outro, como garantir que ele existe entre esses dois pontos?

A salvação do caos completo vem com a idéia de medida. Para sabermos onde está o elétron, temos de interagir com ele. No processo de medida, fixamos a sua posição e, portanto, a sua existência. Ou seja, a realidade, no mundo quântico, depende do ato de observação: as coisas só são reais quando observadas.

Mais ainda, o resultado da observação depende do observador: duas medidas idênticas não darão necessariamente o mesmo resultado. No mundo quântico, vence o idealismo: as coisas existem ao serem medidas, o que, em última instância, depende do observador, seja ele inteligente ou uma máquina.

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