domingo, 1 de junho de 2003

Vinte anos de unificação

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São já 20 anos desde que um grupo de cientistas do Centro Europeu de Física de Altas Energias (Cern) em Genebra, Suíça, detectou conclusivamente partículas que comprovaram a unificação de duas das quatro forças fundamentais da natureza: eletromagnetismo e força nuclear fraca. Hoje, gostaria de revisitar essa descoberta, cujas repercussões ainda reverberam (e muito) pelo mundo da física.

Segundo o Modelo Padrão, que reúne tudo o que se sabe sobre os tijolos fundamentais da matéria (as partículas que não podem ser divididas em partículas menores), existem quatro forças fundamentais, que descrevem como essas partículas interagem entre si. Duas são familiares: a gravidade, que descreve como massas atraem massas, e o eletromagnetismo, que descreve como cargas elétricas iguais se atraem, opostas se repelem e, também, a relação profunda entre eletricidade e magnetismo (já uma unificação), no qual cargas elétricas em movimento criam campos magnéticos.

As outras duas forças fundamentais só agem em distâncias nucleares. Por isso não nos damos conta de sua existência. São a força nuclear forte, que descreve como prótons, mesmo repelidos eletricamente, permanecem juntos nos núcleos, e a força nuclear fraca, que controla, entre outras coisas, o decaimento radioativo de vários átomos. A força fraca só é ativa a distâncias cem vezes menores do que um próton. Ela (como a força forte) é uma força de curto alcance. Curtíssimo.

Para entender o que significa unificar forças, é necessário explorar como funcionam. Imagine dois patinadores no gelo. Vamos supor que cada um deles seja um elétron. Como ambos têm carga elétrica negativa, quando muito próximos eles sofrem uma repulsão. Essa repulsão é representada pela troca de outras partículas que compõem o campo eletromagnético, chamadas fótons. Vamos representar os fótons por bolas de tênis. A repulsão entre elétrons pode ser representada por patinadores atirando bolas de tênis um no outro. (Na verdade, a situação é um pouco mais complicada, pois o fóton não tem massa, e a bola de tênis tem, mas a imagem da força mediada por partículas é válida.)

O curto alcance da força fraca seria representado por bolas de chumbo pesadíssimas: os patinadores só conseguem atirá-las a curtas distâncias. Ou seja, as partículas que medeiam a força fraca, três em número, têm massas altíssimas.

Dentro dessa representação das forças por partículas mediadoras, nada mais distinto do que a força eletromagnética, de alcance infinito, e a força fraca, de curtíssimo alcance. A diferença está na massa das partículas mediadoras: o fóton, sem massa, tem alcance infinito (as bolas de tênis são atiradas a qualquer distância), enquanto as três que medeiam a força fraca têm massa alta e curto alcance.

Nos anos 60, os americanos Steven Weinberg e John Ward e o paquistanês Abdus Salam, baseados em resultados de outro americano, Sheldon Glashow, propuseram um modelo de unificação das duas forças. A idéia básica é que, acima de certas energias, da ordem de cem vezes a massa do próton dividida pela velocidade da luz ao quadrado (você se lembra de E = mc2? Invertida, essa relação mostra que massa pode ser obtida de energia, m = E/c2), a força fraca também fica de longo alcance, como a força eletromagnética. Acima dessas energias, fica difícil distinguir entre as duas forças, todas partículas ficam sem massa.

Bela teoria, mas como testá-la? Ela previa também as massas das três partículas mediadoras da força fraca a baixas energias. Em maio de 1983, após quase uma década de confirmações indiretas, experimentos no Cern encontraram as três mediadoras da força fraca, com as massas previstas pela teoria. Estava confirmada a unificação das duas forças.

A história ainda não terminou. A teoria prevê também a existência do bóson de Higgs, responsável por dar massa a todas as partículas de matéria. Até agora, o Higgs não apareceu. Dois experimentos, marcados para os próximos anos, vão tentar achá-lo. Caso eles falhem, a estrutura da teoria e, portanto, da unificação "eletrofraca" terá de ser repensada.

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