domingo, 20 de julho de 2003

O monstro no centro das galáxias

Marcelo Gleiser

Até meados do século passado, galáxias eram ocasionalmente chamadas de universos-ilha. A origem do nome tem a ver com nossas limitações como observadores do cosmo: mesmo em 1924 pensava-se que a nossa galáxia, a Via Láctea, fosse a única existente, uma ilha flutuando no espaço. Quando o astrônomo americano Edwin Hubble mostrou que a Via Láctea era apenas uma entre muitas, o Universo passou a ser visto como uma espécie de oceano, repleto de ilhas galácticas. Hoje, sabe-se que existem centenas de bilhões de galáxias, cada qual podendo ter centenas de bilhões de estrelas. Um dos maiores mistérios é entender o que existe em seu centro.

Existe toda uma taxonomia galáctica; elas aparecem em vários tipos e tamanhos, formatos e composições. As mais interessantes são as que apresentam uma região central onde se detecta grande atividade. Essa detecção se dá por meio de observações astronômicas em várias frequências, da luz visível aos raios X. Isso acontece porque, em geral, não é possível ver o que ocorre no centro de uma galáxia: a confusão é enorme, com quantidades gigantescas de radiação, matéria e nuvens de gás bloqueando a visão.

Mas o que os olhos não vêem outras frequências podem ver. Um exemplo familiar é um incêndio, no qual a fumaça cobre o fogo (ou seja, o centro do incêndio é invisível aos olhos), mas podemos sentir o seu calor, que nada mais é do que radiação no infravermelho. Portanto, um detector no infravermelho "vê" o incêndio com clareza. As galáxias mais interessantes têm o que se chama de núcleo galáctico ativo, uma verdadeira usina de energia, movida pela conversão de energia gravitacional em radiação eletromagnética. No coração dessa usina reside um buraco negro gigantesco, com massas que podem chegar a milhões ou mesmo bilhões de massas solares.

A conversão de energia gravitacional não é difícil de ser entendida: quando alçamos um objeto a uma certa altura, sabemos que, se o soltarmos, ele irá cair livremente. Quanto mais alto o objeto, maior será a sua velocidade ao chegar ao solo (isso quando desprezamos a resistência do ar, que é o caso de interesse aqui). Portanto, a queda do objeto pode ser descrita pela conversão de energia gravitacional (sua atração pela Terra) em energia de movimento, ou energia cinética. No caso, a gravitação da Terra funciona como combustível.

Voltando às galáxias, a presença de um buraco negro super-maciço em seu centro exerce uma enorme força gravitacional sobre tudo que passa perto, digamos algumas dezenas de anos-luz. (O leitor não precisa se preocupar: estamos longe do centro da galáxia, em torno de 26 mil anos-luz. O Sistema Solar não será sugado, como água por um ralo.) Estrelas, nuvens de gás, tudo vai sendo atraído em direção ao monstro que mora no centro, ganhando cada vez mais velocidade, como dita a conversão de energia gravitacional em energia cinética.

Toda matéria é feita de átomos, que por sua vez são compostos de cargas elétricas, os elétrons e prótons (nêutrons têm carga nula). Quando cargas elétricas são aceleradas, elas emitem radiação eletromagnética. É essa a radiação que é observada em várias frequências, na medida em que matéria vai espiralando em direção ao centro galáctico. Quanto maior a aceleração da matéria, maior a frequência da radiação emitida. A emissão de raios X indica eventos extremamente violentos.

Recentemente, astrônomos observaram a existência de estrelas jovens e muito maciças nas vizinhanças do buraco negro central. Isto representa um mistério, já que estrelas maciças vivem por pouco tempo, desaparecendo em explosões conhecidas como supernovas: se elas foram formadas longe do centro, não teriam tempo de chegar lá antes de explodir. Será que é possível haver criação de estrelas perto do monstro central? Veja que paradoxo: o grande destruidor cósmico promovendo a criação de estrelas em sua vizinhança.

Várias explicações vêm sendo propostas, justificando a presença de estrelas jovens no centro galáctico. Nada me surpreenderia se, de fato, o buraco negro fosse o motor criativo; um dos aspectos mais fundamentais da Natureza é a conexão entre destruição e criação, que se manifesta desde as menores estruturas até as maiores. Talvez o centro galáctico seja mais um exemplo disso.

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