domingo, 19 de outubro de 2003

O debate quântico

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Durante as primeiras três décadas do século 20, o misterioso comportamento dos átomos foi pouco a pouco sendo revelado por um grupo de físicos que inclui Einstein, Bohr, Dirac, Schrödinger, Heisenberg, Pauli e muitos outros. Foram 30 anos que abalaram profundamente os alicerces da física, transformando a nossa concepção de mundo. Os átomos e seus constituintes, elétrons, prótons e nêutrons, têm propriedades inteiramente diferentes dos objetos que vemos no dia-a-dia, como bolas, carros ou ondas na praia. O mundo quântico, como veio a ser chamada a realidade em que essas entidades existem, é um mundo borgiano, exótico e paradoxal.

No nosso mundo, o mundo clássico, objetos podem viajar continuamente pelo espaço. Planetas orbitam o Sol, pessoas andam nas calçadas (quando há espaço), carros viajam em estradas etc. Já um elétron, orbitando o núcleo de um átomo, tem seus movimentos limitados. A ele são dadas apenas certas órbitas, separadas por distâncias fixas, como se um átomo fosse uma cebola, feito de órbitas concêntricas. O elétron "pula" de órbita em órbita, como nós subimos e descemos escadas. Estranho.

Mesmo essa imagem é já simplificada. Na verdade, não podemos pensar no átomo com um minissistema solar, com o núcleo no centro, feito o Sol, e o elétron girando à sua volta, como um planeta. O elétron deve ser interpretado como uma entidade que pode ter vários padrões de vibração, feito uma corda de violão que pode ser tocada de muitas formas, cada uma dando origem a uma nota diferente. Cada padrão de vibração do elétron está relacionado a uma "órbita", ou melhor, estado, com energia bem definida.

O elétron, portanto, não gira em torno do núcleo, mas ressoa de formas diferentes, dependendo da energia. Esses padrões vibratórios são os estados quânticos, e os pulos entre as órbitas consistem em transições entre padrões vibratórios. De certa forma, o átomo é como um instrumento musical, com apenas algumas notas possíveis, cada uma correspondendo a um estado ou nível de energia.

Uma consequência direta desse modo de interpretar o elétron é que fica impossível dizer onde, precisamente, ele está em um determinado momento. Do mesmo modo, não podemos dizer precisamente qual a posição de uma onda do mar, apenas sua distribuição pelo espaço. Esta indeterminação intrínseca da mecânica quântica, a mecânica do mundo atômico, irritou e irrita muita gente.

Talvez "frustrar" seja um verbo melhor, porque no mundo clássico não temos esse problema. Quando queremos saber onde está um carro, basta olhar para ele, medir a sua distância e determinar a sua posição. Já com o elétron a coisa fica bem mais complicada. Primeiro, o átomo é tão pequeno que não podemos vê-lo como vemos uma bactéria no microscópio. O ato de ver o elétron interfere com a sua posição. É como se soubéssemos de uma barata escondida embaixo do sofá: quando formos cutucá-la para ver onde ela está, ela muda de posição.

No caso do elétron em torno de um átomo, o ato de ver significa enviar radiação eletromagnética ou outra partícula para interagir com ele. Quando isso ocorre, o elétron imediatamente escolhe uma órbita e fica lá. Você pode estar pensando: "Então sabemos onde ele está, não? Na órbita número dois ou três". Não. Se você repetir a experiência cem vezes, vai obter resultados diferentes. Tudo o que podemos dizer é que o elétron tem uma certa probabilidade de ser detectado nessa ou naquela órbita. A certeza que existe no mundo clássico desaparece no mundo quântico.

Einstein jamais engoliu isso. Ele achava que essa incerteza quântica, probabilística, era consequência de nossa ignorância: deve haver uma teoria mais fundamental que pode determinar exatamente o que vai ocorrer com o elétron, explicando essas probabilidades todas. Bohr dizia que não: a natureza é intrinsecamente indeterminada, e pronto. Einstein pode gostar ou não disso.

O debate foi ao laboratório, e teorias diversas, não-probabilísticas, foram testadas. Ganha sempre a indeterminação. Aparentemente, o mundo quântico é mesmo paradoxal, um mundo borgiano em que todas as observações são, em princípio, possíveis, com probabilidades diferentes.

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