domingo, 7 de março de 2004

As dimensões do espaço e a unificação das forças

Marcelo Gleiser
especial para a Folha

Em 1919, o matemático alemão Theodor Kaluza teve uma grande inspiração. Segundo conta seu filho, Kaluza, após horas fazendo cálculos em seu escritório, deu um tapa na mesa, assobiou bem alto e saiu correndo para mergulhar no lago em frente à sua casa. O filho também conta que Kaluza era um teórico não só em ciência, mas na vida também: para aprender a nadar, leu um livro. E parece que deu certo, já que não se afogou no lago durante a sua celebração.

Três anos antes, em 1916, Einstein apresentara a sua nova teoria da gravidade, segundo a qual a atração gravitacional entre dois corpos maciços pode ser interpretada como devida à curvatura do espaço em torno deles. Para corpos com massas pequenas comparadas ao Sol, a antiga teoria de Newton, em que gravidade é uma força caindo com o inverso do quadrado da distância, valia: a curvatura existe, mas é pequena. A teoria de Einstein reformulou o pensamento físico da época. A força gravitacional passou a ser interpretada geometricamente, e a geometria do espaço em torno de um corpo poderia ser determinada conhecendo-se sua massa e distribuição no espaço, seja ele uma esfera (estrelas) ou forma menos simétrica.

A grande inspiração de Kaluza foi tentar incorporar a única outra força conhecida na época, a força eletromagnética, dentro de uma formulação geométrica. Para tal, ele sugeriu algo completamente novo: porque não aumentar o número de dimensões do espaço de três para quatro? Ele mostrou que, em um espaço com quatro dimensões, é possível representar geometricamente tanto a gravidade quanto o eletromagnetismo: o que, nesse universo de cinco dimensões (quatro para o espaço e uma para o tempo), seria percebido como uma única força, em nossa realidade física tridimensional seria percebido como duas. Ou seja, Kaluza propôs uma unificação geométrica da gravidade e do eletromagnetismo em cinco dimensões.

O que levanta uma questão interessante: a nossa percepção física da realidade pode nos dar a impressão de que a natureza é deselegante, assimétrica, quando na verdade não é. Se pudéssemos inventar um "óculos multidimensional", capaz de enxergar a realidade em cinco dimensões, veríamos um mundo muito mais simples e unificado. Infelizmente, esses óculos não existem. Mas existe a matemática, que nos permite "ver" em qualquer número de dimensões.
Einstein não gostou da idéia de Kaluza. Após resistir a ela por um bom tempo, acabou aceitando-a, provavelmente como uma curiosidade matemática. Ele preferiu buscar a unificação das duas forças nas três dimensões normais e passou décadas tentando, sem obter um resultado satisfatório. E, mesmo que o tivesse obtido, a teoria seria incompleta: já nos anos 40, sabia-se que duas outras forças existiam no interior do núcleo atômico. Portanto, uma teoria realmente unificada deveria incorporar todas as quatro forças fundamentais da natureza. A questão era como fazê-lo.

Nos anos 80, surgiu a fascinante teoria das supercordas. Até então, acreditava-se que as entidades fundamentais da matéria eram partículas indivisíveis. Exemplos familiares incluem o elétron e os quarks, as partículas que compõem os prótons e nêutrons.

Os defensores das supercordas propõem uma revisão disso: as entidades fundamentais da matéria são pequenos objetos vibrantes. Tal qual uma corda de violão, que pode vibrar de vários modos produzindo notas diferentes, as supercordas também podem vibrar de modos diferentes, produzindo as várias partículas elementares.

E também as partículas que transmitem as forças entre as partículas elementares, como o fóton, responsável pela força eletromagnética entre duas partículas carregadas. Ou seja, as supercordas seriam a teoria de tudo, já que explicariam não só as partículas de matéria, mas também suas interações, a partir das quatro forças fundamentais.

O detalhe é que essas teorias existem em um espaço multidimensional. Os números variam entre 10 (9 espaciais) e 11. A inspiração de Kaluza permanece muito viva. O desafio é mostrar que as teorias não são apenas uma elegante curiosidade matemática, mas que correspondem à realidade física. O debate, acirrado, continua em aberto.

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