domingo, 23 de maio de 2004

A natureza enfurecida

Marcelo Gleiser
especial para a Folha

Nos dias 9 e 10 de maio, o canal de TV norte-americano NBC mostrou o filme "10,5", onde uma série de terremotos monstruosos destrói boa parte da Costa Oeste americana, incluindo desde as maiores cidades da Califórnia, Los Angeles e São Francisco, e até Seattle, no estado de Washington.
O título refere-se à escala Richter, que mede a intensidade de terremotos. Um terremoto com 10,5 de intensidade seria absolutamente devastador. Segundo o filme, não é uma má idéia comprar terra no deserto do Arizona: em breve essas terras terão vista para o mar. O interessante é que "10,5" foi o filme mais visto nos últimos cinco anos de televisão: teve quase 21 milhões de telespectadores. Só o documentário "9-11", sobre os ataques terroristas em Nova York e Washington, bateu o recorde. Mas esse foi um desastre que de fato ocorreu.

Os terremotos gigantescos de "10,5" são coisa de criança quando comparados com o que vem por aí. No dia 28, estréia nos EUA o filme "O Dia Depois de Amanhã" (The Day After Tomorrow), uma produção de 125 milhões de dólares que narra a devastação da Terra por um desequilíbrio climático provocado pelo efeito estufa. Basicamente, o aquecimento global degela grande parte das calotas polares. Esse degelo injeta uma quantidade enorme de água doce nos oceanos, causando o resfriamento das águas do Atlântico Norte e interrompendo o ciclo de aquecimento e resfriamento que existe entre o sul e o norte do oceano Atlântico. O resultado é um caos total no clima do planeta: granizo do tamanho de abacaxis em Tóquio, neve em Nova Déli, tornados que destroem Los Angeles (parece que essa cidade não tem mesmo salvação), um maremoto destruindo Nova York e por aí afora.

Imagino que, se os produtores prestassem atenção ao Brasil, a metade leste de seu território também seria submersa pelas águas. (Ainda não vi o filme, apenas um trailer de dez minutos.) Após o caos inicial, grande parte da Terra entra em uma nova Era Glacial, como a que ocorreu há 10 mil anos. Tudo isso em alguns dias.

O diretor do filme, Roland Emmerich, que dirigiu "Independence Day", usou todos os efeitos especiais possíveis para criar um quadro assustador da fragilidade do homem perante a fúria da natureza. Climatologistas prevêem alguns destes efeitos caso a poluição global causada por gases industriais continue no nível atual. Mas o processo é lento, durando décadas ou até centenas de anos, e não dias. O que o filme faz é acelerar a devastação que, segundo muitos cientistas, será inevitável.

É justamente a lentidão das conseqüências do efeito estufa que torna difícil a implementação de controles e políticas de prevenção. Para complicar as coisas, as previsões dependem de modelos complexos e não são perfeitas, sendo portanto alvo de crítica por grupos de interesse ligados a certas indústrias, como as produtoras de petróleo e petroquímicas em geral, entre outras.
Mesmo cientistas vêm debatendo a relação entre o aquecimento global e a poluição. Em declaração recente, um grupo de cem cientistas australianos argumenta que o aquecimento faz com que o planeta fique mais úmido e que essa umidade aumenta a quantidade de plantas. Plantas diluem os efeitos dos gases causadores do efeito estufa, dando mais tempo para que políticas de prevenção sejam implementadas.

O que me parece óbvio é que mesmo o estudo dos australianos demonstra claramente o impacto da presença humana no planeta. Visto que a Terra é um sistema finito, com capacidade de absorção finita, é uma mera questão de tempo até que as perturbações causadas por humanos comecem a causar sérios desequilíbrios climáticos. Quem cutuca uma colméia sabe que, mais cedo ou mais tarde, ela cairá no chão.

A famosa teoria do caos nasceu das investigações de Edward Lorenz, um climatologista do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts). Ao analisar as equações descrevendo o fluxo de calor na atmosfera, ele descobriu que, devido a uma propriedade delas chamada não-linearidade, pequenas pertubações podem ter efeitos enormes. Os exageros de Hollywood são cientificamente implausíveis. Mas eles mostram que, em uma guerra entre nós e a natureza, os perdedores seremos nós.

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