domingo, 16 de maio de 2004

Oppenheimer e a bomba

Marcelo Gleiser
especial para a Folha

Assim escreveu o físico J. Robert Oppenheimer, líder do Projeto Manhattan, que projetou e construiu as primeiras bombas atômicas norte-americanas, após o primeiro teste em 1945: "Sabíamos que o mundo jamais seria o mesmo. Algumas pessoas riam, outras choravam. Mas a maioria permaneceu em silêncio. Me recordei de uma passagem das escrituras hindus, o Bagavad-Gita: Vishnu, tentando convencer o príncipe a concluir suas tarefas, assumiu sua forma com vários braços e disse: "Agora sou a Morte, destruidora de mundos". Acho que todos nós, de uma forma ou de outra, estávamos pensando a mesma coisa". Mais tarde, em 1948, Oppenheimer declarou, "os físicos conheceram o pecado". Nenhum físico encarna tão claramente a complicada relação entre ciência, ética e moral.

Oppenheimer foi escolhido para liderar o Projeto Manhattan pelo general Leslie R. Groves, que comandava a operação em nome do governo. As credenciais científicas de Oppenheimer eram impecáveis: físico brilhante, ele já havia demonstrado sua criatividade em vários projetos, incluindo um em que ele obteve os primeiros resultados sobre buracos negros. Sua capacidade de liderança também era óbvia; em sua posição como professor na Universidade da Califórnia em Berkeley e no Instituto de Tecnologia da Califórnia, Oppenheimer, treinado nos melhores centros da Europa, formou a primeira geração de físicos teóricos dos EUA. Ele era respeitado pelos melhores físicos do mundo, inclusive Einstein e Bohr. A única "sombra" em seu currículo era a sua posição política. Embora Oppenheimer negasse a acusação, alguns políticos o consideravam um comunista. Talvez até um espião da União Soviética.

O debate sobre a afiliação política de Oppenheimer continua até hoje. O que se sabe é que as acusações foram usadas na década de 50 para desligá-lo de seu cargo de diretor da Comissão Americana de Energia Atômica. Por trás das manobras estava outro físico, Edward Teller, que discordava da política de antiproliferação nuclear defendida por Oppenheimer. Não havia dúvida que os físicos que trabalharam no Projeto Manhattan o fizeram com medo de que a Alemanha produzisse uma bomba atômica durante a guerra. A possibilidade de Hitler com a bomba era assustadora. Mas, após os episódios de Hiroshima e Nagasaki, a maioria dos físicos mudou radicalmente de posição. Desenvolver outras armas nucleares, como a bomba de hidrogênio, centenas de vezes mais poderosa do que as bombas de fissão nuclear jogadas no Japão, era imoral.

Mas não para Teller, um húngaro radicalmente anticomunista. Para ele, era apenas questão de tempo até que os soviéticos desenvolvessem não só bombas de fissão como as de urânio e plutônio, mas também as de fusão. E a possibilidade de Stalin ter bombas termonucleares sob seu poder era quase tão assustadora quanto Hitler. Para Teller, o único caminho para a segurança nacional era a corrida armamentista: um país com essas armas jamais seria atacado.
Em 1952, os EUA começaram a construção da bomba H. Oppenheimer, talvez paradoxalmente, inicialmente também tomou parte. Mas logo começou a sua oposição. Teller não iria permitir isso. Em 1953, um relatório para o Congresso dizia que "muito provavelmente, Oppenheimer era um agente soviético". Não havia qualquer evidência de fato incriminadora. Um processo foi aberto, no qual vários físicos defenderam a integridade de Oppenheimer. O prêmio Nobel I. I. Rabi declarou: "Vocês têm vários tipos de bomba atômica. O que mais querem? Vocês estão escrevendo a vida de um homem". Um homem que emergiu da Segunda Guerra como herói nacional e que, em 1954, teve cassado o seu acesso à política nuclear. Teller, usando a paranóia do medo que surte grande efeito na política norte-americana até hoje, acabou vencendo. Como disse em 1995 Hans Bethe, integrante do Projeto Manhattan: "Eu peço aos cientistas de todos os países que parem de trabalhar no desenvolvimento de armas nucleares ou quaisquer armas de destruição em massa". Mas as pesquisas continuam, alimentadas pelo medo e por um senso distorcido de patriotismo. Uma vez conhecido o pecado fica difícil retornar ao caminho da virtude.


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