domingo, 5 de março de 2006

Arqueologia planetária



Antes de os telescópios existirem, os olhos definiam o que existia nos céus. Apenas a imaginação podia criar outras realidades para além da escuridão. Poucos na história ousaram propor que existiam outros mundos, camuflados pelas sombras. Foi o caso de Giordano Bruno, que por essa e outras heresias contra a fé católica acabou seus dias na fogueira.


Se planetas forem definidos como objetos solitário s, Plutão e seus compan heiros do cinturão de Kuiper não se qualificam


Tudo mudou quando Galileu provou, em 1610, que o telescópio permitia enxergar mundos que, sem ele, permaneceriam desconhecidos para sempre: a realidade material não se limitava ao imediatamente visível. Era inegável -mesmo que alguns tenham se recusado a acreditar- que Galileu havia descoberto quatro luas girando em torno de Júpiter (ele chamou-as de estrelas de Médici, em homenagem a Cosme de Médici 2º, o chefe político da Toscana) que jamais haviam sido vistas antes. A conseqüência dessa descoberta foi profunda: os segredos ocultos nos céus podem ser desvendados com o uso de técnicas de observação e telescópios mais sofisticados. Galileu iniciou uma nova tradição astronômica, a da caça aos mundos.

Em meados do século 20, vários outros mundos haviam sido descobertos. Girando em torno do Sol, os planetas Urano, Netuno e Plutão; em torno dos planetas, dezenas de luas; entre Marte e Júpiter, um cinturão de asteróides, restos rochosos de um planeta que nunca se formou. Os astrônomos não tinham dúvidas de que, com telescópios mais poderosos, novos mundos seriam descobertos. O mistério, no entanto, permanecia. Que mundos seriam esses? E o que poderiam nos dizer sobre a formação do Sistema Solar e sobre o passado da Terra -o nosso passado?
Com o desenvolvimento de CCDs, dispositivos capazes de detectar luz bem fraca (usados em câmeras de vídeo), e a automação dos telescópios, os resultados começaram a chegar. Fora planetas girando em torno de outras estrelas (assunto para outra semana), novos objetos exóticos foram encontrados em torno do Sol.

Aliás, as propriedades desses planetóides estão até pondo em questão a definição de planeta. Alguns astrônomos acham que Plutão e seus novos companheiros não deveriam ser chamados de planetas, pois fazem parte de um grupo de objetos chamado cinturão de Kuiper. Esse grupo de objetos, em número estimado em torno de 100 mil, são na maioria bolas de gelo e poeira cósmica com diâmetros de alguns quilômetros, em órbitas em torno do Sol a distâncias entre 50 e 70 vezes maiores do que a distância da Terra ao Sol. (Como referência, Plutão está em média 40 vezes mais distante do Sol do que a Terra.) Se planetas forem definidos como objetos solitários, Plutão e seus companheiros agigantados do cinturão de Kuiper, sendo parte de uma manada de 100 mil, não se qualificam.

Um deles, chamado 2003 EL61, tem (no mínimo) duas luas, aproximadamente o mesmo diâmetro de Plutão, ao menos na sua parte mais alongada, e um terço de sua massa. Fora isso, dá uma volta completa em torno de seu eixo a cada 4 horas, um "dia" muito curto. Suas luas são formadas de gelo, como a sua superfície. Provavelmente, foram extraídas de lá na infância do Sistema Solar, quando colisões entre vizinhos arrancavam pedaços enormes dos jovens planetas. Nossa própria Lua nasceu assim, violentamente, quando um planetóide do tamanho de Marte chocou-se com a jovem Terra, há 4,6 bilhões de anos. Estudar novos mundos nos remete às nossas origens, já que dividimos o mesmo passado. A infância do Sistema Solar é a nossa infância.

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