domingo, 19 de março de 2006

O mago das estrelas

Sendo hoje meu aniversário, resolvi dar-me um presente: escrever sobre meu personagem favorito na história da ciência, o astrônomo alemão Johannes Kepler, que viveu entre 1571 e 1629. Se a ciência tem visionários, profetas de certa forma, Kepler e Einstein são dois deles. Profeta aqui não significa ser capaz de prever o futuro ou de conversar com Deus. Significa estar em conexão com o cosmos de uma forma quase mágica, ter uma intuição sobre os segredos da Natureza, um olhar que vê mais fundo do que o dos outros. Significa ser capaz de traduzir o que existe de mais profundo na realidade em que vivemos, para que todos possam compartilhar a sua beleza.


Kepler uniu a astronomia e a física pela primeira vez, tentando justificar os movimentos planetários


Em 1543, Copérnico publicou sua grande obra, "Sobre a Revolução das Esferas Celestes". A grande revelação do tímido astrônomo polonês foi que o Sol, e não a Terra, era o centro do cosmo. É difícil para nós, habitantes do século 21, entender a dimensão anárquica dessa proposta. Desde a Antigüidade, especialmente após Aristóteles, a Terra ocupava, imóvel, o centro do cosmo. Lua, Sol, planetas e estrelas giravam ao seu redor em órbitas concêntricas, como as camadas de uma cebola. A Igreja adotou essa cosmologia geocêntrica, pondo Deus na esfera externa à das estrelas, presidindo o cosmo de fora para dentro. Já o Diabo estava bem mais próximo das almas pecaminosas dos pobres mortais, governando o Inferno nas entranhas da Terra. Ousar desafiar esse arranjo era mais do que simplesmente contestar Aristóteles; era desafiar a estrutura da fé cristã, do bem e do mal, do lugar do homem numa cosmologia que combinava o natural e o sobrenatural.

Tanto assim que poucos ousaram fazê-lo. Durante mais de 50 anos ninguém defendeu abertamente as idéias de Copérnico. Giordano Bruno é uma exceção que, como já mencionamos neste espaço, pagou com a vida por esse e outros atrevimentos. Outra foi Kepler, o primeiro a manifestar-se publicamente a favor de Copérnico. Quando era estudante de teologia em Tübingen, teve como mentor o astrônomo Michael Maestlin, que ensinou-lhe secretamente as idéias do polonês. Maestlin era um copernicano às escondidas, temeroso não só da censura dos católicos como da dos luteranos. Tübingen era uma universidade luterana, e sua hierarquia não tolerava desavenças sob seu teto.

Em 1593, 50 anos após Copérnico ter publicado seu livro, Maestlin promoveu um debate na universidade, confrontando as idéias de Aristóteles e Ptolomeu com as de Copérnico. Kepler apresentou os argumentos de Copérnico e outro estudante os dos gregos. O evento foi marcado pela coragem intelectual de Kepler. Não só defendeu magistralmente as idéias já conhecidas como apresentou uma outra, de sua autoria: o Sol, morada da luz, tinha de ser o centro do cosmo. Essa luz representava uma "alma", um impulso que empurrava os planetas em sua órbitas em torno do Sol. Quanto mais longe do Sol, mais fraco o impulso. É por isso, argumentou Kepler, que os planetas mais distantes demoram tanto para completar uma volta em torno do Sol. (Saturno demora 28 anos.) Aos 22 anos, Kepler uniu a astronomia e a física pela primeira vez, tentando justificar os movimentos planetários usando causa e efeito.

Mais tarde, Kepler substituiu a palavra "alma" por força, argumentando que a força entre o Sol e os planetas era atrativa. Acabei falando apenas da primeira idéia de Kepler e nada sobre a sua personalidade fascinante. Mas tudo bem, nem só em aniversários ganhamos ou nos damos presentes.

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