domingo, 20 de janeiro de 2008

O homem biônico

Em breve, os atletas mais velozes do mundo não terão pernas

Na semana passada, o mundo se deparou com uma notícia que parecia coisa de ficção científica. O atleta sul-africano Oscar Pistorius foi proibido pela Associação Internacional das Federações Atléticas (IAAF) de participar da Olimpíada de Pequim. A decisão foi acatada pelo Comitê Olímpico Internacional.

O motivo não foi doping.Segundo os membros da IAAF, Pistorius tem uma vantagem mecânica sobre seus adversários. Nascido sem o perônio nas duas pernas -o osso que conecta o joelho ao calcanhar-, Pistorius teve as duas pernas amputadas sob o joelho quando tinha onze meses. Em seu lugar, usa uma prótese de fibra de carbono com a forma da letra "J", fabricada por uma companhia da Islândia. Sempre interessado em atletismo e esportes, Pistorius conquistou o recorde mundial dos 100, 200 e 400 metros na Paraolimpíada, a olimpíada para atletas portadores de deficiência física. A coisa complicou quando Pistorius começou a marcar tempos que o qualificavam para representar seu país na Olimpíada.

Ano passado, chegou em segundo lugar na prova de 400 metros do campeonato sul-africano. O atual recorde mundial é de 43,18 segundos. Pistorius consegue marcar 46,56 segundos. E seu tempo está baixando progressivamente. Para chegar ao seu veredicto, a IAAF submeteu a prótese de Pistorius a uma série de testes no laboratório do cientista alemão Gert-Peter Brueggemann. Os testes foram claros: Pistorius pode correr na mesma velocidade que atletas sem deficiência usando 25% menos energia. O cientista concluiu que a lâmina protética retorna três vezes mais energia do que o calcanhar humano sob tensão máxima.

Temos aqui um dos primeiros casos nos quais a tecnologia modifica o corpo a ponto de criar um ser híbrido que não pode mais, ao menos segundo as regras do atletismo internacional, ser considerado humano. Claro, Pistorius está chocado com a decisão e promete que vai apelar. Seu exemplo inspira milhões de jovens com limitações físicas. Mas imagine a cena: Jogos Olímpicos de 2008, atletas preparando-se para a prova final dos 400 metros. Dentre eles, um rapaz com pernas de fibra de carbono.

Que impacto emocional sua presença teria sobre os outros atletas? Será que afetaria sua performance? Em julho passado, na competição da Liga de Ouro em Roma, Pistorius chegou em segundo lugar da prova B. A situação é constrangedora. Queremos ver o esforço de Pistorius reconhecido. Porém, sem tornar a competição injusta. Afinal, é uma questão de tempo até que fibras de carbono ainda mais sofisticadas estejam disponíveis, oferecendo uma vantagem ainda maior. Em breve, os atletas mais velozes do mundo não terão pernas. Ao menos pernas de carne e osso.

Vamos extrapolar um pouco. Membros mecânicos não são as únicas próteses possíveis. Casando materiais com eletrônica, não é absurdo especularmos que, num futuro não muito distante, será possível implantar chips no cérebro para vários fins. Por exemplo, já existem implantes que permitem que pessoas cegas distingam sombras e contrastes de claro e escuro; na semana passada, eletrodos no cérebro de uma macaca nos EUA fizeram um robô andar no Japão.

E se encontrarmos um implante que aumente o QI de uma pessoa? Será que os estudantes ricos que puderem ter esses implantes devem fazer vestibular com os outros? Se juntarmos esses avanços à genética, a coisa complica ainda mais. Logo chegaremos a um admirável mundo novo, conforme previu Aldous Huxley em seu romance de 1932. Só espero que sejamos mais sábios.

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