domingo, 13 de janeiro de 2008

O rombo cósmico



É como se a natureza desse uma pista para que seus segredos sejam decifrados


Ahistória do Universo está escrita nos céus. O duro é interpretá-la. A situação é parecida com a dos paleontólogos, que tentam reconstruir o passado da vida na Terra com base nos fósseis, ou a dos geólogos, que tentam reconstruir a evolução da Terra desde sua infância por meio do estudo das rochas.

Por trás de cada uma dessas atividades está a convicção de que processos que ocorreram no passado foram causais, ou seja, resultados de causas que podem ser explicadas pela investigação científica. Existe, portanto, uma continuidade, uma história que pode ser resgatada com o auxílio das pistas certas. A cosmologia, que estuda a evolução do cosmo desde a sua formação até o presente, também conta com pistas -fósseis de seu passado.

O mais importante dos fósseis cosmológicos é a chamada radiação cósmica de fundo, formada quando surgiram os primeiros átomos, há aproximadamente 14 bilhões de anos. Se visualizarmos o Universo como o espaço interno de uma banheira, essa radiação seria a água. As galáxias, com todas as suas estrelas e planetas, seriam pequenos objetos flutuando nesse "oceano" de radiação, como grãos de poeira. Ou seja, essa radiação, prevista por Ralph Alpher, George Gamow e Robert Herman -os três cientistas que propuseram o modelo do Big Bang no final da década de 1940- está por toda parte. Como toda radiação eletromagnética, incluindo a luz que vemos com nossos olhos (a porção visível do espectro eletromagnético), ela é formada por fótons, as partículas de luz propostas por Einstein em 1905. Cálculos indicam que há cerca de 400 fótons por centímetro cúbico de espaço (um cubo com a extensão da sua unha). Esses fótons pertencem à radiação de microondas, sendo, portanto, invisíveis e muito frios.

Tal como a água da banheira, que pode ser mais quente aqui ou ali, a radiação de fundo também sofre variações de temperatura. No caso, essas variações são devidas aos puxões gravitacionais sofridos pelos fótons quando eles se aproximam de uma concentração de massa. A gravidade atrai toda forma de matéria e radiação, inclusive a luz, fazendo com que ela perca energia, diminuindo sua temperatura. Os buracos negros são o caso extremo, onde a atração é tão forte que nem os fótons -a luz- podem escapar. Essas variações de temperatura foram medidas com enorme precisão durante os primeiros anos deste milênio pelo satélite da Nasa WMAP.

Inicialmente, os dados indicavam que tudo parecia se comportar conforme o esperado, com flutuações distribuídas igualmente em torno de uma média: tantos locais mais quentes quanto locais mais frios. Recentemente, foi descoberta uma enorme região anômala na radiação cósmica de fundo, um rombo frio com um ângulo aproximado de 5 graus. Como comparação, a Lua cheia ocupa em torno de 1 grau no céu. A probabilidade de tal desvio é de apenas 1,85%, bem pequena. Quando deparados com anomalias dessa magnitude, cientistas ficam animados: é como se a natureza estivesse dando uma pista para que seus segredos sejam decifrados.

No caso, o passado do Universo, bem próximo de sua infância. Os processos que imprimiram esse buraco estavam presentes logo após o Big Bang, no primeiro milhão de anos de existência do Universo. Várias explicações foram já propostas. Uma delas sugere que o rombo tenha sido causado por um defeito cósmico, uma cicatriz deixada pela ruptura de simetrias que ligavam todas as forças da natureza numa só.

Neste caso, o micro, a física que usa essas simetrias para explicar como as partículas de matéria interagem, deixaria sua assinatura no macro, no Universo como um todo.

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