domingo, 30 de março de 2008

Gênese cósmica


A luz que nos separa da escuridão é a luz da nossa curiosidade

Em meados de março, cientistas norte-americanos revelaram análises dos dados colhidos durante cinco anos pelo satélite WMAP (do inglês, Wilkinson Microwave Anisotropy Probe). O satélite, em si, é já um feito impressionante. Sua missão foi medir pequenas flutuações de temperatura no banho de radiação que permeia o cosmo, a chamada radiação cósmica de fundo.

Uma imagem útil é a de uma banheira cheia d'água. Mesmo que a temperatura pareça ser a mesma em todos os lugares, um termômetro ultra-sensível mediria variações diminutas aqui e ali. No caso do Universo, a temperatura média é de 2,75 graus acima do zero absoluto (na escala Celsius, 273 graus negativos), e as flutuações medidas pelo WMAP são de centésimos de milésimos de grau.

O WMAP, como sugere o nome, mapeou a temperatura dos céus, registrando regiões ligeiramente mais quentes ou mais frias do que a média. O significado dessas regiões é profundo: essencialmente, são as impressões digitais dos processos que marcaram a infância cósmica, dando origem às primeiras galáxias e estrelas, os fósseis de nossas origens.

Como todo bom fóssil, esses objetos registram um passado remoto -mais precisamente, de quando o Universo tinha apenas 400 mil anos, uma pequena fração dos seus 13,73 bilhões atuais. A história cósmica, a versão moderna que inclui o Big Bang, o grande evento que marcou a origem de tudo, é hoje reconstruída com tremenda precisão. Quando físicos e astrônomos afirmam que o Universo tem 13,73 bilhões de anos (com uma margem de erro de apenas 0,12 bilhão de anos), não estão fantasiando ou especulando. Estão fazendo uma afirmação baseada em medidas concretas e irrefutáveis.

Todas as culturas de que temos registro tentaram de alguma forma tecer relatos de sua origem. Talvez os relatos mais significativos de uma cultura sejam justamente seus mitos de criação, as narrativas que contam como surgiram o mundo, os animais e as pessoas. Esses mitos são sagrados, marcando a relação entre a divindade (ou divindades) criadoras e os humanos, sua criação. Mesmo que em algumas culturas não existam deuses criadores, as narrativas de criação do mundo definem as forças criadoras de suas crenças.

No relato mais popular em nossa cultura, o Gênese bíblico, a força criadora gera o mundo ao separar a luz da sombra. Passados 3.000 anos, reconstruímos esse relato, medindo as propriedades, se não dessa primeira luz divina e sobrenatural, da radiação que de fato preenche o cosmo.

É inevitável traçar paralelos entre o relato judaico-cristão de criação e o modelo cosmológico do Big Bang. "Ah, está vendo? Esses cientistas estão simplesmente redescobrindo o que a Bíblia já dizia há milênios." Na verdade, não é nada disso. A história científica da criação estará sempre incompleta, aprimorando-se a cada nova descoberta. Ela independe da fé. Se hoje podemos afirmar que o Universo tem 13,73 bilhões de anos, que as primeiras estrelas surgiram quando ele tinha 430 milhões de anos, nós o fazemos baseados em 400 anos de ciência.

São os dados que nos contam o que ocorreu, dados obtidos por meio da incrível inventividade humana. Se existe algo de semelhante entre a Bíblia e o Big Bang é que ambos estão interessados na história da criação. E isso não é uma coincidência. Afinal, ambos refletem a mesma curiosidade humana de voltar ao passado, retraçando os passos que levam até as nossas origens. A luz que nos separa da escuridão é a luz da nossa curiosidade.

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