terça-feira, 1 de abril de 2008

O fim justifica os meios


Apesar dos avanços nas simulações por computadores, a medicina e a biologia ainda não podem abrir mão dos testes feitos com animais


Cientistas interessados em salvar vidas (humanas) não têm muitas alternativas aos testes com animais. Que os façam do modo mais humano

Como é feita a ciência? Como os cientistas chegam às suas conclusões sobre os mecanismos e propriedades do mundo natural, da vida e do corpo humano? Essa questão vai ao coração do que constitui ciência e verdade científica. Muita gente acredita que ciência é sinônimo de verdade, que as afirmações dos cientistas são uma certeza absoluta. A coisa não é assim tão simples. Isso porque o próprio conceito do que é verdade evolui, muda com o tempo. O que era verdade na época de Cabral, um Cosmo fechado com a Terra imóvel no centro, não é mais verdade. Por outro lado, sabemos que, se alguém cair de um telhado, vai se espatifar no chão com uma velocidade calculável usando a lei da queda livre de Galileu, aprimorada nas leis de movimento de Newton. Essas leis não falham. Serão, então, uma verdade absoluta?

Tudo depende da natureza do fenômeno. Se a teoria científica é baseada em medidas, ela tem de oferecer uma descrição precisa do que está sendo medido. Por exemplo, no caso da queda, Galileu mostrou que todos os corpos, independentemente de suas massas, caem com a mesma aceleração. Essa aceleração, mostrou Newton mais tarde, depende da massa e do raio da Terra. Ou seja, em outro planeta, a lei de Galileu também funciona, mas os corpos cairiam com uma aceleração diferente. Fenômeno descrito, assunto encerrado, certo? Errado!

Teorias científicas estão sempre sendo testadas. E se o corpo cair muito rápido? E se a massa do planeta, ou melhor, de uma estrela, for muito grande? Será que as leis de Galileu e Newton ainda funcionam? A ciência avança justamente quando teorias são expostas ao seu limite de validade. De certa forma, cientistas são como crianças tentando quebrar seus brinquedos, testando até onde eles agüentam os seus abusos. São das falhas de uma teoria que nascem novas teorias. No caso da queda dos corpos e da gravidade, Einstein mostrou que as leis de Newton têm, sim, limites. Por exemplo, elas não explicam com alta precisão a órbita de Mercúrio. Nasceu assim uma nova teoria da gravidade, a teoria da relatividade geral, da qual a teoria de Newton é um caso limite, funcionando quando os objetos têm massas pequenas comparadas à uma estrela como o Sol ou estão bem distantes dela.

Portanto, a ciência não é sinônimo de verdade, mas da constante busca por ela. Cientistas sabem que a noção de verdade é algo elusivo, que quando achamos que chegamos perto ela escapa por entre os nossos dedos. Por isso é necessário testar sempre hipóteses e teorias científicas. E isso não ocorre apenas nas ciências físicas. Na biologia e na medicina é a mesma coisa. Se queremos obter um novo remédio, várias possibilidades têm de ser testadas até que se tenha sucesso. No caso da medicina, o dilema envolve a natureza dos testes. Como testar uma droga experimental num ser humano, se não sabemos se vai ou não funcionar? Se, em alguns casos, ela pode até matar o indivíduo?

Aqui entram várias considerações éticas que não aparecem nos testes da relatividade geral. Em muitos casos, drogas e tratamentos (e cosméticos) são aplicados em animais antes de serem testados em humanos. Isso significa que pomos um valor maior na vida humana do que na de um camundongo ou chimpanzé. Imagino que ninguém goste disso. Por essa razão, vários laboratórios, especialmente de cosméticos, declaram não fazer testes em animais. Na medicina e na biologia, a coisa é mais complicada. Para combater as doenças, precisamos de remédios. Apesar de não exisitir uma solução óbvia, simulações em computadores cada vez mais avançados tendem a aliviar ao menos um pouco esse dilema. No meio tempo, cientistas interessados em salvar vidas (humanas) não têm outra opção. Espero que o façam do modo mais humano possível. Afinal, nós não gostaríamos de ser cobaias de outra espécie.

Nenhum comentário:

Postar um comentário