domingo, 27 de abril de 2008

Realidade surreal


A física quântica acomodou as bizarrices dos átomos

Na virada do século 20, os físicos sabiam que tinham um grande problema pela frente. Ao descobrir o elétron em 1897, J. J. Thomson havia demonstrado que átomos não eram indivisíveis e sim compostos de pedaços de matéria com carga elétrica.


Quando, em 1911, Ernest Rutherford descreveu a estrutura do átomo como tendo um núcleo pesado e positivamente carregado, circundado por elétrons com carga negativa, a situação piorou. Segundo as leis do eletromagnetismo, que descrevem as propriedades das cargas elétricas em movimento, um elétron em órbita seria instável: logo, ele espiralaria sobre o núcleo como um avião camicase.


Resumindo, a física clássica previa que os átomos não poderiam existir. A situação era complicada.


Passados 15 anos, tudo seria diferente. Uma nova física, a física quântica, surgiu para acomodar as propriedades bizarras dos átomos e das suas partículas constituintes. Mas os físicos pagaram um preço alto para conquistar o mundo do muito pequeno.


Se, antes, a física clássica orgulhava-se de oferecer uma descrição determinística do mundo, onde o futuro poderia ser previsto com precisão, no mundo dos átomos esse determinismo tinha que ser abandonado.


Em 1926, o alemão Werner Heisenberg propôs o princípio da incerteza, que seria a marca registrada da nova física: é impossível determinar a posição e a velocidade de uma partícula ao mesmo tempo com precisão arbitrária (quanto mais precisa a medida da posição da partícula, mais imprecisa será a da sua velocidade).


Ou seja, não dá para saber exatamente o local da partícula. Podemos apenas demarcar uma região do espaço onde ela deve estar. Esse "deve estar" incomodava muita gente. A perda do determinismo clássico levou a uma física probabilística, em que pode-se apenas estimar onde está a partícula.


A questão que fervilhava na cabeça de Heisenberg, Bohr, Einstein e outros era: esse indeterminismo faz parte da realidade, é uma assinatura de como a natureza de fato é? Ou será que é apenas uma limitação da física quântica, algo que uma teoria mais profunda poderia explicar?


Caso existisse mesmo uma barreira quântica, a física teria que se contentar com uma descrição incompleta da realidade. Einstein não gostava nada disso. Por preconceito, ele e outros diziam que não poderia ser assim, que a natureza tinha de ter uma ordem fundamental oculta por trás das probabilidades quânticas. Bohr, Heisenberg e outros diziam que a natureza era assim mesmo, que a realidade era surreal, exibindo um indeterminismo inerente. Como decidir?


Em 1935, Einstein, Boris Podolsky e Nathan Rosen (EPR) escrevem um artigo criticando a física quântica. Imagine um elétron como um pião, girando. Imagine outro elétron girando no sentido oposto. O par de elétrons forma um todo, com uma "quantidade de giro" (ou "spin") nula.


No artigo, EPR diziam que, segundo a física quântica, se separássemos o par e invertêssemos a direção do giro de um elétron, o outro inverteria instantaneamente sua direção de giro de forma que o spin total continuasse nulo. Mas uma troca instantânea de informação viola a lei da causalidade, que diz que nada pode viajar mais rápido do que a luz. Algo de podre existe no reino quântico, EPR afirmaram.


Nos anos 60, o físico John Bell propôs um teste para resolver a questão. Experimentos foram realizados nos anos 70 e 80 e o veredicto foi, para muitos, surpreendente. Não existe qualquer indicação de que a física quântica esteja incompleta. A realidade aparenta mesmo ser surreal, limitando o quanto podemos saber.

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