sexta-feira, 12 de março de 2010

Em busca de nossas origens cósmicas

ROGERIO ROSENFELD

A beleza está nos olhos de quem a observa. Sua definição é subjetiva. Inconscientemente, no entanto, para a maioria das pessoas, a beleza de um objeto está relacionada ao seu grau de simetria. Um diamante tem mais valor caso não possua nenhum defeito que atrapalhe sua forma simétrica. Poucos encontram beleza nas figuras cubistas pintadas por Picasso.

Muitas teorias da física também são guiadas por conceitos de simetria, que podem ser descritos matematicamente. Gostamos de acreditar que as leis do Universo obedecem a simetrias observadas na natureza. Porém, após anos de avanços em pesquisas e medições precisas, sabemos que existem pequenas imperfeições em algumas das simetrias que achávamos serem fundamentais. Mais ainda, essas imperfeições são essenciais para o aparecimento de vida no Universo e, talvez, do próprio Universo. Somos frutos das imperfeições, ou assimetrias, das leis da natureza.

A origem do Universo e a origem da vida sob essa perspectiva são os grandes temas abordados de forma magistral em "A Criação Imperfeita", de Marcelo Gleiser. O livro explora questões fundamentais da física e da biologia, passando por discussões sobre paralelos entre a ciência e a religião e pela conversão pessoal experimentada pelo autor, um ex-reducionista convicto que agora questiona a existência de uma unicidade final das leis da natureza.

Com uma linguagem acessível, mas precisa, Gleiser discorre nas primeiras três partes sobre a busca por uma teoria unificada que descreva todo o Universo e sua evolução. Ele chama essa teoria de "Código Oculto da Natureza" ou "Teoria Final", sonho perseguido desde os filósofos gregos da Antiguidade até os físicos atuais que trabalham na teoria de supercordas.

O livro argumenta que essa teoria pode ser não apenas uma impossibilidade mas também desnecessária, visto que não poderia ser testada experimentalmente com precisão absoluta. E, como reiterado várias vezes no livro, "só sabemos o que medimos". Talvez a resposta definitiva para o Universo, a vida e tudo o mais seja mesmo "42" -piada de "O Mochileiro das Galáxias", de Douglas Adams. Ou seja, pode não existir uma resposta adequada.
No entanto, como Gleiser escreve, "O brilho da ciência, a sua mágica, não diminuirá se uma Teoria Final não existir".

A jornada é mais importante que o destino final. Afinal, durante essa busca através dos séculos, modelos cada vez mais precisos para entender a natureza foram sendo desenvolvidos até chegar ao chamado Modelo Padrão das Interações Fundamentais, que descreve quase todos os fenômenos medidos até hoje. Quase todos, porque sabemos que ainda não entendemos do que é feito 96% do Universo! Novos experimentos podem revolucionar o conhecimento sobre o que chamamos de matéria escura e energia escura, essas componentes do Universo cuja natureza ainda nos é desconhecida.

As duas últimas partes do livro são dedicadas ao estudo do efeito de assimetrias no surgimento e desenvolvimento da vida. Questões filosóficas profundas, como a busca por uma razão de nossa existência, são eloquentemente discutidas.

Será que fazemos parte de um grande e desconhecido plano cósmico? Marcelo defende que nossa existência é consequência de sutis imperfeições, assimetrias aleatórias ocorridas na evolução do Universo. Somos frutos de um "acidente raro, precioso e frágil". 

Mas não devemos nos sentir insignificantes. Marcelo propõe que, pelo simples fato de existirmos e refletirmos sobre o Universo, tornamo-nos uma espécie de "consciência" do cosmo. Ele denomina esse conceito de "humanocentrismo". 

Uma mensagem do livro é que devemos coletivamente tomar cuidados extremos para não destruir nossa frágil existência. Gleiser consegue uma proeza: escrever um livro sobre ciência com alma. Alma no sentido de humanidade e sensibilidade. É leitura obrigatória.

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