domingo, 21 de março de 2010

Os excessos do racionalismo

Erro de Kepler:

19 de março de 2010
Por Marcelo Gleiser

Kepler é popularmente conhecido por sua descoberta das três leis do movimento planetário: as órbitas são elípticas, os planetas varrem áreas iguais em tempos iguais ao redor do Sol, e sua lei harmônica, uma relação matemática entre o tempo que leva para um planeta orbitar o Sol e sua distância dele.

Estas foram as primeiras leis quantitativas da Astronomia, encontrada no livro de Kepler, Astronomia Nova, publicado em 1609, o ano de Galileu apontou seu telescópio para o céu. O que as pessoas não aprendem na escola é o que motivou seu pensamento.(Ou de Galileu ou de Copérnico, ou de Newton, uma verdadeira lacuna em uma pragmática e rígida educação científica. Mas isso é para outro dia.)

Kepler foi um pitagórico verdadeiro, um crente na noção de que o cosmo é, em última análise racional, construído por Deus de acordo com regras geométricas que os homens, através da sua criatividade e dedicação total à filosofia natural, poderiam entender. Nisso, Kepler é talvez o melhor exemplo da metáfora do "espírito de Deus", de que existe uma ordem subjacente à natureza que podemos descobrir, através da aplicação diligente do método científico.

Nisso, Kepler era um homem com um pé na Academia de Platão e outro no futuro: ele acreditava que a Natureza poderia ser entendida a priori, apenas pela mente, embora ele também acreditava que qualquer teoria tinha de ser confrontada com os dados e descartada se não provada correta. Se ele tivesse vivido em sua própria filosofia...

Em 1595, Kepler teve uma visão enquanto palestrava para um punhado de alunos dorminhocos de uma escola Luterana em Graz, Áustria. Ele percebeu que a distância entre Júpiter e o Sol é a metade da distância entre Saturno e do Sol (aproximadamente). Claro que ele sabia disso, mas de alguma forma aquilo o atingiu de novo nesse dia, com um significado mais profundo. Poderia ser uma coincidência? Nunca! Em um universo projetado por um Deus racional não havia coincidências.

Então, ele passou alguns dias tentando chegar a uma formulação geométrica do então conhecido Sistema Solar (só até Saturno). Primeiro, ele queria entender por que havia apenas seis planetas, segundo, como as suas distâncias do Sol foram fixadas.

Em um flash explosivo da intuição, Kepler percebeu que ele poderia aninhar os cinco sólidos platônicos (pirâmide, cubo, octaedro, dodecaedro, icosaedro) um dentro da outro, como bonecas russas, intercalando conchas entre eles. As conchas marcavam as órbitas planetárias, enquanto que a ordenação dos sólidos, fixados pela geometria, determinava as distâncias entre as conchas e, portanto, entre os planetas e do Sol central. Com cinco sólidos, poderia haver apenas 6 esferas intercaladas, uma para cada planeta. Voilà! Voilà!

Kepler se alegrou quando viu um arranjo preciso para cerca de 5%, um feito incrível. Lá estava, uma explicação racional para o cosmo, baseada em geometria! O impacto desta revelação catártica nunca o deixou, mesmo depois que ele usou dados de Tycho Brahe para encontrar as suas leis das órbitas elípticas; com certeza, ele argumentou, as conchas têm alguma espessura e os dados de Tycho, embora grandes, não são perfeitos. Se fossem, ele acreditava, veríamos que o seu modelo geométrico foi correto.

Kepler teria ficado completamente chocado se descobrisse que há mais de seis planetas no sistema solar, e que seu sistema simplesmente não faz qualquer sentido. Ele morreu em feliz ignorância, já que Urano foi descoberto somente em 1781. Ainda assim, as suas leis permanecem válidas e são fundamentais no estudo da Astronomia.

Seu erro foi acreditar irracionalmente a sua visão racional do cosmo, dando-lhe uma finalidade que ele (ou qualquer outra teoria científica a priori) não merecia. Nós podemos muito bem aprender com erro de Kepler, principalmente quando começamos a tomar os nossos modelos e teorias muito além do nível de validação empírica.

Embora existam muitas noções como essas ao redor, nenhuma, é claro, é mais herdeira para este tipo de racionalismo platônico como as versões atuais teorias de supercordas. (Um recente post do co-blogger Adam Frank aborda algumas destas questões.) Confiar em razão humana para descobrir "verdades eternas" é um perigo que é muito fácil sucumbir.

Eu contesto [no sentido de que] temos de olhar para a realidade física com os olhos bem abertos, reconhecendo nossa falibilidade com a humildade que a natureza merece.

2 comentários:

  1. Texto interessante. Kepler foi realmente uma figura extraordinária na história da ciência. Divulguei no meu blog.

    Só mais uma coisa: a tradução do texto original em inglês para o português está deficiente em várias passagens. Veja uma sugestão de tradução no meu blog: http://imperativocientifico.blogspot.com/2010/03/os-excessos-do-racionalismo.html
    Abraço!

    ResponderExcluir
  2. olá, rafael
    aceitando a sugestão, colei a sua tradução aqui, substituindo-o.

    ResponderExcluir