sexta-feira, 12 de março de 2010

Estou voltando às raízes da ciência

Físico conta por que desistiu da busca pela teoria final da origem do cosmo e adotou uma perspectiva mais empírica


O novo livro do físico Marcelo Gleiser, 50, pode ser visto como um contraponto a um clássico da divulgação científica, "O Universo Elegante", de Brian Greene, defensor da chamada teoria das supercordas. Segundo essa linha de pesquisa, partículas elementares não são os componentes mais básicos da matéria, e sim minúsculas cordas que vibram em um universo de 11 dimensões. Em "A Criação Imperfeita", o físico brasileiro ataca ideias por trás desse tipo de especulação, que partem do princípio de que existem simetrias ocultas por trás de uma realidade complexa. Em entrevista à Folha, Gleiser explica por que ele próprio mudou de ideia. (RG)


FOLHA - Por que o sr. não acredita que toda a física possa ser unificada em uma única teoria? É uma questão de limitação técnica ou o sr. acredita que não exista uma natureza única subjacente a tudo?

MARCELO GLEISER - Existe um lado pragmático nessa pergunta, porque as informações que nós temos do mundo dependem daquilo que podemos medir. E o que podemos medir é limitado, pois nossos instrumentos têm precisão e alcance limitados. Então, sempre haverá algo sobre o mundo natural que não saberemos. Estou voltando às raízes das ciências naturais concebidas como ciências empíricas, e não metafísica.
O que eu tento dizer é que não há razão concreta empírica para a gente acreditar em uma unidade por trás de todas as coisas. Nesse livro, eu confronto a corrente dominante de pensamento na física de altas energias, que prega a busca de uma teoria unificada. Existe uma outra maneira de pensar o mundo que não é por simetrias.
É justamente o oposto: mostrar que as assimetrias é que são importantes. Isso cria toda uma nova estética da natureza.



FOLHA - A desistência da busca por uma teoria final não pode soar como "derrotismo'? Que tipo de reação o sr. espera de outros físicos?
GLEISER - Já existe um grupo que nunca gostou dessas ideias de unificação e acha isso metafísica. Mas o pessoal da área de supercordas -como Brian Greene e Leonard Susskind, que se acham os caras mais importantes do mundo- defende isso. A Instituição Smithsonian queria fazer um debate comigo e com Greene, mas ele não topou. Também não sou dono da verdade a ponto de dizer "parem de trabalhar nas supercordas". O que digo é que, mesmo que eles cheguem a uma descrição razoável desse assunto, ela não será "a" teoria final.



FOLHA - A busca de simetria em teorias tem a ver com busca de simplicidade. Porque isso é ruim?
GLEISER - Não tenho dúvida de que a busca por simetrias na natureza vai continuar a ser importante. Meu livro não é contra a simetria. Isso seria errado. A ideia de busca pela unificação pode continuar a funcionar e a inspirar muitas pessoas, mas é um erro transformar essa noção em dogma.


FOLHA - O sr. critica o fato de as supercordas serem muito especulativas. Teorias não precisam ser especuladas antes de serem provadas?
GLEISER - Não estou dizendo que especulação é besteira. Pelo contrário: é preciso continuar a fazê-la. Agora, existe o perigo de você perder a noção de o que deve ou não ser feito. A ideia de supersimetria [a simetria entre partículas embutida na teoria das supercordas], por exemplo, foi proposta em 1974. Ela fez uma porção de previsões sobre alguns efeitos que poderiam ser observados em aceleradores de partículas a energias alcançáveis. Vários desses efeitos poderiam ter sido descobertos, mas não foram.
O que foi feito então? Voltaram à teoria, ajustaram alguns parâmetros, mas aí ela não poderia mais ser testada com a energia disponível nos aceleradores de partículas de então. Seria preciso esperar mais uns 15 anos. Assim, a coisa vira um ciclo.


FOLHA - A tese da "navalha de Occam" diz que é preciso achar a teoria mais simples possível para descrever um fenômeno. O sr. concorda?
GLEISER - A navalha de Occam é válida, mas é levada a sério demais. Como você define simplicidade? Simplicidade é beleza? Aí a discussão se complica. A simplicidade às vezes tem mais a ver com facilidade de implementação, manipulação e um uso pragmático da teoria.


FOLHA - O sr. argumenta que a religião monoteísta inspirou a busca pela teoria final, mas critica autores como Richard Dawkins e Daniel Dennett por ofenderem a religião. Seu livro não faz algo parecido?
GLEISER - Meu livro é antimonoteísta e critica a noção de que tudo vem de uma coisa só. Não escondo isso. E eu argumento que o "sobrenaturalismo" não é o caminho do conhecimento. Mas eu tenho a humildade, que Dawkins não tem, de aceitar que a ciência tem seu limite. Há questões além desse limite sobre as quais a ciência tem pouco a dizer. Se você me perguntar se eu sou ateu ou agnóstico, vou dizer que sou agnóstico.


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"A ideia de que existe uma descrição final única que engloba a realidade física, para mim, é um preconceito monoteísta. Isso veio da tradição da religião e foi se infiltrando na filosofia e na ciência"  M.GLEISER

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