sábado, 29 de maio de 2010

Matéria, antimatéria e existência



A ciência abre janelas para a realidade, mas nenhuma permite ver o que estaria além dessa realidade


NA SEMANA passada, manchetes traziam novas do Fermilab, o enorme acelerador de partículas situado nas vizinhanças de Chicago, nos EUA: "Nova pista para explicar nossa existência", escreveu Dennis Overbye, do "New York Times".

Interessante, esse título. Vários leitores escreveram reclamando da aparente necessidade de misturar ciência e religião até mesmo quando se trata de um experimento da física de partículas. Overbye cita Joe Lykken, um excelente físico teórico do Fermilab: "O anúncio não é equivalente a ver a face de Deus, mas os dedos do pé de Deus". 

Lykken estava zombando de George Smoot, o prêmio Nobel que, ao revelar os resultados das investigações de sua equipe sobre as propriedades da radiação cósmica de fundo, produzida quando surgiram os primeiros átomos, afirmou que era como "ver a face de Deus". 

Será que a existência de matéria e de antimatéria tem algo a ver com Deus? E, se não tiver, por que essa mania de invocar Deus quando se fala de cosmologia?

Smoot não é o único. O também vencedor do Nobel Leon Lederman escreveu um livro com Dick Teresi chamado "A Partícula de Deus". 

Stephen Hawking, no seu "Uma História do Tempo", afirma que encontrar uma teoria final é como "conhecer a mente de Deus". Essas afirmações nos dizem não só algo sobre a expectativa do público, mas também sobre o papel cultural que físicos, especialmente aqueles trabalhando em questões ligadas a "origens", exercem. Sou tão culpado quanto eles, já que minha pesquisa trata de origens. Será que a física é a nova teologia? 

De jeito algum. Confundir a prática da ciência com a religião é um erro grave. Por outro lado, a física moderna trata de assuntos que, por milênios, eram província exclusiva da religião. A cosmologia tenta construir uma narrativa que nos conta a história do cosmo. Esta história deve começar assim que o conceito de tempo passa a fazer sentido. 

Portanto, a cosmologia não quer apenas explicar por que o Universo é do jeito que é, mas por que o Universo é. Se tivermos sucesso, entraremos numa nova era da história das ideias: ao ser capaz de explicar a Criação, a razão humana seria equacionada com... sim, a mente de Deus! Vemos que não é tão surpreendente assim encontrarmos essa metáfora nos textos científicos. 

Ela revela ao menos parte das ambições do empreendimento cosmológico. Revela também, como argumentei em "Criação Imperfeita", a necessidade de exorcizarmos essa metáfora da ciência. Ela não só confunde as pessoas como está errada.

A questão do excesso de matéria em relação à antimatéria é essencial. Caso as duas existissem em pé de igualdade, não estaríamos aqui: quando matéria e antimatéria colidem, desfazem-se em radiação. 

Portanto, o resultado do Fermilab, que reforça resultados antigos, mostra que a versão atual da física das partículas é incompleta. Por outro lado, a descoberta não tem nada a ver com os dedões de Deus ou outra parte da anatomia divina. 

Ela é um triunfo da inventividade humana, irrelevante para a teologia. A ciência certamente abre muitas janelas para a realidade. Mas nenhuma delas nos permite vislumbrar o que ocorre além da realidade. 

7 comentários:

  1. ...eu tenho extrema dificuldade em analisar qual a vassa opinião sobre inteligência Divina ou algo assim..qual seria o problema em admitir uma suprema inteligência governando a engrenagem..a inteligência não esta limitada em nosso cérebro...vc NÃO É a soma, o resultado de todas as conexões de neurônios em seu cérebro..imagine as multidão de multiversos, de dimensões..imagine O NOSSO TAMANHO REAL MARCELO !!! E mesmo assim somos partes do relógio..tenho dificuldade em analisar tua posição, voce nega esta inteligência se dizendo ateu..um rótulo limitador que voce jamais mereceu mas que se deu de presente,e ao mesmo tempo vislumbra maravilhas estratosféricas creditadas...à quem ? Ao caos ? Eu detesto misticismo e religiões em geral..nem preciso me explicar o porquê..mas ADMITO HUMILDEMENTE um "arranjo" genial..tanto no Macro como no Micro ! Amem..hehe

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  2. Alerta aos que abominam as pseudo-ciências em geral:
    Muito cuidado ao procurarem pela coluna de Marcelo Gleiser na Folha de São Paulo de hoje (30/05), com o texto reproduzido acima.
    Na mesma página da Micro/Macro do caderno Ciências(?), há um artigo sobre um físico brasileiro que defende o aumento de verbas para financiar estudos envolvendo paranormalidade, ufos, massagens exotéricas, etc.
    Fiquei perplexo, tentando entender como um Jornal destes, de grande circulação, abre espaço para que estes cientistas(?) escrevam tantas baboseiras. As vezes eu penso que o livro "O mundo assombrado por demônios" de Carl Sagan, deveria ser leitura obrigatória para os alunos que prestam vestibular pra Física. Lamentável que Marcelo Gleiser se deixe permitir dividir espaço com estes tipos de textos. Não assino a Folha, li o jornal aqui no SESC de Piracicaba, e quase não acreditava no que estava vendo. Lamentável.

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  3. Marcelo, eu o admiro assim como admiro Newton e Einsten. Pessoas maravilhosas que se dedicaram a estudar o universo e sua origem. Quanto mais vcs me ensinam, mais eu vejo a mão de Deus. Pois é, e creio na palavra de Deus que está na Bíblia e diz que Deus fez o céu e a terra e tudo quanto neles há, (atos 17,24) inclusive o ser humano e tb a inleligência que vc expressa. Ao longo destes anos vários outros cientistas gastaram seus dias buscando comprovar a existência de tudo através da física, diante disso, vejo como o ser humano é complexo e especial neste universo que conhecemos e o quanto somos pequenos e limitados diante do infinito. E assim não posso deixar de citar Descartes que tb não foi diferente em gastar seus dias, mas em um dado momento, disse: "O homem sendo imperfeito e finito não seria capaz de produzir a perfeição e o ser infinito que é Deus, racionalmente. O homem pode apenas expressar o amor de Deus" Aqui, com certeza Descartes conheceu um pouco da grandeza da excelência e beleza de Deus.

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  4. A religião e deus são como vírus de computador: gasta-se horas de programação apenas para evitá-los enquanto se poderia usar o tempo para desenvolver programas melhores.

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  5. Ao Pablo: 1)Tá combinado, não se cria mais programas antivirus nem se deve fazer mais orações, ou meditações, etc. ... mas qdo. um vírus qualquer atingir seu PC ou a sua vida, que não é raro, irá recorrer a quem???
    2)Deus (O TUDO) só que com D maiúsculo, como escrevemos Terra qdo. nos referimos ao Planeta. Escritos ´com "d" ou "t" só serve pra pisarmos...

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  6. Não concordo com o Marcelo Gleiser quando diz que questões científicas não têm impacto no mundo teológico. O problema não está na explicação das origens e sim na explicação em si. Durante muito tempo era a religião que explicava como as coisas eram (Thor produzia o raio, a origem do homem é o barro, etc...). A ciência botou por terra várias dessas explicações e a partir daí nunca mais parou de brigar com as religiões. Descobertas científicas que contrariarem as explicações teológicas sempre abalarão a fé de alguns e como consequência diminuirá o poder dos que se dizem procuradores de Deus.

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  7. Qualquer religiãoé simplesmente impossível: não se pode religar o que nunca se desligou.
    Esta faina provém de outra missão impossível: conhece-te a ti mesmo. Se nossos olhos são voltados para fora, para o amor, que razão assiste voltar-se a si mesmo? Para conhecer a oculta alma que dispunha, Sócrates antecipou a viagem ao colosso de Hades.
    Conhecer a mente de DEUS significa comer a maçã, isto é, ingerir a cicuta.

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